As mulheres além das urnas: protagonismo na transformação social
Além do fato histórico de rememorar o direito ao voto como uma conquista, é preciso olhar essa data pelas lentes da representatividade
Por meio da Lei 13.086/15, de autoria da ex-presidente Dilma Rousseff, foi instituído no calendário oficial do país o dia 24 de fevereiro como o Dia da Conquista do Voto Feminino no Brasil. Nessa mesma data, em 1932, um decreto de Getúlio Vargas instalou o Código Eleitoral, determinando que, salvo exceções, qualquer pessoa maior de 21 anos poderia votar e ser votada.
Além do fato histórico de rememorar o direito ao voto como uma conquista, é preciso olhar essa data pelas lentes da representatividade e da identidade, dois aspectos fundamentais que compõem o debate sobre a ampliação da participação política das mulheres. Uma presidenta, uma mulher que alcançou o cargo máximo de condução da República, teve a iniciativa de formular essa lei. Assim como outros temas da agenda política no país recente, buscando assegurar políticas públicas para garantia dos direitos femininos, foram pautados
por mulheres.
Em 2021, foi realizado em âmbito nacional o debate sobre a dignidade menstrual, com a percepção de que cabe ao Estado brasileiro assegurar, entre outras coisas, a distribuição gratuita de absorventes higiênicos femininos e similares em relação aos cuidados fundamentais na menstruação. A iniciativa de pautar um projeto de lei neste sentido, claro, partiu de uma mulher, a então deputada federal por Pernambuco Marília Arraes. O ex- presidente Bolsonaro chegou a vetar artigos da lei, sobretudo o que trata da distribuição gratuita, mas os vetos foram derrubados pelo Congresso. A pauta circulou pelas casas legislativas do país, dando visibilidade a um aspecto da condição feminina até então ignorado pela classe política.
Esses exemplos demonstram o porquê faz tanto sentido a sociedade prosseguir com a luta para assegurar maior participação de mulheres na política. A conquista do direito ao voto abriu caminho para uma maior representatividade política, permitindo não apenas que suas vozes fossem ouvidas na formulação de políticas que afetam diretamente suas vidas e seu bem-estar econômico, mas que sejam protagonistas na inclusão de suas necessidades e preocupações na elaboração de políticas públicas.
Porém, nem o exercício do direito ao voto ainda é algo resolvido no Brasil. Pela ausência de uma rede de apoio nas atividades domésticas e pela responsabilidade quase exclusiva pelos cuidados no âmbito familiar, a mulher muitas vezes não consegue comparecer ao local de votação a cada dois anos. Quando pensamos na falta de acessibilidade em diversas regiões do Brasil, entendemos que o exercício da cidadania é quase uma prova de
obstáculos e, daí, emerge a dependência de estruturas fisiologistas, que se alimentam dessas fragilidades. A ausência da educação política retira das mulheres em condição de vulnerabilidade a consciência acerca da importância de ir votar. A política “não é para elas”.
A representação feminina na política, no judiciário e nos cargos de poder de alto escalão permanece aquém do ideal, e persistem os desafios em relação à implementação efetiva de políticas que promovam a igualdade de gênero. Apesar dos avanços significativos nas últimas décadas, ainda há muito a ser feito. A violência política é um traço nefasto da sociedade brasileira, as mulheres continuam enfrentando obstáculos substanciais ao tentar exercer seu direito democrático de participação política. A violência política de gênero é uma realidade sombria que milhares de mulheres enfrentam diariamente, minando sua capacidade de se engajar plenamente no processo político e até mesmo de exercer o seu direito ao voto.
Enfrentar essa violência persistente na sociedade brasileira com determinação e solidariedade através do fortalecimento dos mecanismos legais e institucionais para prevenir, investigar e punir a violência política de gênero é crucial. Além disso, é fundamental promover uma cultura política que valorize e respeite a diversidade de vozes e experiências, garantindo espaços seguros e inclusivos para a participação política das
mulheres em todos os níveis. A sociedade deve continuar lutando para garantir que todas as mulheres tenham o direito fundamental de participar plenamente da vida política e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, equitativa, inclusiva, com fraternidade e amizade social entre todos e todas.
Sandro Prado, advogado e economista
Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política