OPINIÃO

Preste-se atenção a sinais da política

Vejam a Av Paulista neste último domingo. Fato político que precisa de leitura adequada. E descubram quanto do fundo partidário foi usado para mobilizar tamanha horda de devotos.

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TARCISIO PATRICIO

Publicado em 29/02/2024 às 0:00 | Atualizado em 29/02/2024 às 10:20
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Para o Brasil manter crescimento econômico sustentado, com redução/eliminação de desigualdades sociais gritantes e democracia plena – isenta de adjetivos ociosos –, o caminho não é o da esquerda, per se; nem o da extrema direita. Afirmação frequente nesta coluna. Repetição necessária, pois parece ser algo ignorado pela esquerda “anti-capitalista”, anti-“financeirização”. Tão barulhenta que não ouve críticas. Ensimesmada, aparenta não prestar atenção a sinais de um novo tempo. Pior: contribui para ampliar a distância entre a esquerda como um todo e a base da sociedade, os mais desvalidos. Um povo que ignora a categorização esquerda versus direita, coisa de intelectuais. Estranheza que aqui parece maior do que em países comparáveis ao Brasil.
E não se pode adiar mais a entrada em rota segura de crescimento com redução de disparidades sociais. Somos um país bem aquinhoado com riquezas naturais, mas prenhe de desacertos que frustram sonhos e desejos. Não se precisa de evocação das raízes escravistas como explicação para (quase) tudo. É preciso ter-se real conta da permanência dos nossos atrasos (desigualdade, analfabetismo, justiça longe de ser social,..) e focar no combate a ervas daninhas do Brasil já “moderno”. Atrasos cujo enfrentamento é atrapalhado pela má política, por programas sociais atingidos por esquemas de corrupção, por devaneios populistas. Seguem menções sobre duas das pragas que corroem o país.
Primeira. Os populismos de esquerda e de direita, que trazem danos políticos e econômicos, e deseducação política. Neste caso, viceja – por exemplo – a construção de narrativas (com ou sem fake news), processo facilitado pelo uso – nas redes sociais, para fins escusos – de técnicas microeletrônicas. Serve, por exemplo, para transformar em impunidade o preceito jurídico de presunção de inocência. Acusados passam a ser supostos inocentes e a instância investigativa é tratada como criminosa. Foi por aí que a Operação Lava-Jato virou o demônio explicativo de suposto golpe contra Dilma (com ajuda “dos americanos”) e de crise econômica. Neste caso específico, até Sérgio Cabral (condenado a 400 anos de prisão) salvou-se do opróbrio, pelo menos para alguns, a exemplo do prefeito do Rio, Eduardo Paes, ao este se ajoelhar para cumprimento reverencial ao ‘quatrocentão’ ex-presidiário, no carnaval carioca deste ano. Cena da vitrine carioca, um vistoso flagrante da miséria política e ética que mediocriza a Nação.
A segunda praga é a existência do tal do Centrão, há mais de quatro décadas na arena da política parlamentar, muito fortalecido nos últimos dez ou mais anos. [A quem interessar: a revista PIAUÍ de dezembro 2021 (Angélica Santa Cruz | Edição 183) traz a matéria “Arthur, o Miúdo”. Disponível via Google. Quer saber quem é Arthur Lira, chefe do Centrâo e Presidente da Câmara? Vá lá]. Trata-se de reportagem que não sofreu contraposição, e segue aberta ao público. Dá conta de um estrato de velhas oligarquias que privatizam o Estado e sorvem recursos públicos cujo custo de oportunidade – conceito caro à Economia – pode ser medido pelo que se perde com o que poderia ser aplicado em programas sociais, ou em gastos e investimentos como saneamento, saúde, segurança, modernização do sistema presidiário. Não esquecer de que o Centrão tem composição multipartidária, agregando gregos e troianos, com PL e PT à frente na distribuição do naco de emendas parlamentares, além do fundo partidário anual. Algo próximo de um bilhão de reais, para gastos que incluem passagens para não filiados, graciosa brecha para “convenientes” favores. E também o fundo eleitoral, a cada período de eleições (quase R$ 5 bilhões em 2024). Além das emendas, mais de R$ 28 bilhões neste ano, tendo sido de R$ 33,4 bi em 2021 e R$ 35,4 bi em 2023. Com direito ao “orçamento secreto”, algo que dificulta informação sobre quem recebe e como é aplicado o valor recebido. Escassez de recursos – dado real da economia – parece não ser relevante nesse caso. Afora o aspecto moral, tornado irrelevante.
Pois é. Bem complexo o contexto em que opera o Governo Lula 3, eleito por margem ínfima de votos – com a responsabilidade de “reconstruir o país”, depois dos estragos do governo anterior; pauta básica. Mas, esperava-se um mandato com costura de união multipartidária, fundamental para se fugir a uma dicotomia, vulgo polarização, que só atrapalha; e tal verbo soa como eufemismo. É pior: haja combustível a reforçar a luta binária do “bem” contra o “mal”, mantendo-se uma identidade simétrica entre dois extremos. Retórica que corrói a política, beneficiando mais a extrema-direita. Disputa que sufoca o ‘Centro Democrático’.
Em tão complexo balaio, o erro presidencial de afrontar o sanguinário Netanyahu trouxe repercussões políticas que só trazem danos e zero benefício. O primeiro-ministro israelense comete genocídio? Sim, e se há dúvida vá a um bom dicionário. Mas “o que Hitler fez” não é coisa comparável à extremada reação ao ataque terrorista do Hamas. Naqueles anos 1930-40, foi deliberado extermínio, declarado como meta, com experimentos científicos, câmara de gás; muito horror. De lá até hoje, são muitos os casos de genocídios, inclusive de indígenas no Brasil. As bombas de Hiroshima e Nagasaki. Genocídios na África e na Europa. Ontem e hoje. E o que faz o Putin na Ucrânia... Resultado: grande desastre no nosso quintal e desconforto diplomático. Pior: fortalecimento político de Netanyahu, desgastado em seu próprio país. Erro primário do presidente brasileiro, que conseguiu ganhar um rela do moderado Elio Gaspari, para quem Lula combinou irresponsabilidade e ignorância.
Não precisamos de arroubos. Melhor prestar atenção aos sinais da política no nosso quintal. Vejam a Av Paulista neste último domingo. Fato político que precisa de leitura adequada. E descubram quanto do fundo partidário foi usado para mobilizar tamanha horda de devotos.
ERRATA. No artigo anterior (13/02), um erro de edição escapou da vigilância. Sobrou o atrapalhador ‘a despeito da sombra militar’, sem sentido, no penúltimo parágrafo da frase entre hifens. Pelo que peço desculpas.


Tarcisio Patricio, doutor em Economia. Professor da UFPE, aposentado.

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