OPINIÃO

A descriminalização do aborto: assunto polêmico

Sempre que se fala em aborto, em todos os recantos do mundo, o tema é por demais controvertido.

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Adeildo Nunes

Publicado em 07/03/2024 às 0:00 | Atualizado em 07/03/2024 às 10:01
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Uns acham que enquanto existir o embrião ou o feto, o nascituro é parte integrante do corpo da gestante, daí porque a decisão sobre a interrupção da gravidez deve ser uma decisão exclusiva da mãe. Neste caso, o Estado não poderia interferir proibindo ou autorizando a sua realização, uma vez que se trata de direito personalíssimo, portanto, a intervenção estatal estaria violando frontalmente os direitos e garantias individuais de cada uma das mulheres gestantes.

Outros, entretanto, com argumentos diversificados, entendem que desde a fecundação do óvulo feminino, com a existência do embrião ou do feto, já há previsão da existência humana, motivo maior para a sua criminalização, se praticado em desconformidade com a lei. Além disso, há aqueles que são contra a sua interrupção, nos casos não autorizados em lei, por questões de ordem religiosa. Praticamente todas as religiões mundiais desaprovam o aborto, amparados em suas convicções religiosas retiradas dos ensinamentos bíblicos e no alcorão, principalmente, que veem a pessoa humana como sinônimo da imagem do seu Deus.

No Brasil, a interrupção da gravidez em qualquer fase da gestação é assegurada quando ela é realizada exclusivamente por médico regularmente inscrito no Conselho Federal de Medicina, desde que: 1) reste comprovada que a gravidez está comprometendo a própria vida da gestante. Aqui, não há necessidade de autorização judicial para que o médico realize a interrupção. O profissional, não obstante seja detentor da decisão, com a aquiescência da paciente deve, no entanto, elaborar um relatório contendo os motivos que o levaram a praticar a interrupção da gravidez, dando conhecimento da sua decisão aos órgãos responsáveis pela saúde pública, que deverão arquivar o relato por tempo indeterminado, com o fim de apresentá-lo se solicitado por qualquer autoridade pública; 2) quando a gravidez for decorrente da prática do crime de estupro. Alguns médicos têm realizado o aborto com uma simples apresentação de um Boletim de Ocorrência, lavrado pela Polícia Civil. Porém, a doutrina penal sugere que previamente haja uma autorização judicial, solicitada pelo médico e pela paciente, juntando-se ao pedido laudo médico constando que a gravidez se deu devido ao uso de violência ou grave ameaça contra a pessoa da gestante; 3) com base na decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54, também foi autorizada a interrupção da gravidez quando comprovada a anencefalia do feto. No acórdão, o STF enfatizou que a autorização se dava em homenagem à liberdade sexual e reprodutiva da mulher, saúde, dignidade, autodeterminação, sem contar as prerrogativas constitucionais dos direitos e garantias que são extensivos a todas as mulheres. Porém, vale não esquecer que o procedimento médico só será legal se houver previamente a concordância da paciente.

É claro que o aborto espontâneo - aquele que é definido pelos médicos como uma interrupção involuntária de uma gravidez que acontece antes da 20ª semana (cerca de 5 meses) de gestação - não é criminalizado, mas esta interrupção deve ser registrada nos arquivos dos órgãos públicos ou privados de saúde, se possível com o aval de uma equipe médica, no afã de evitar qualquer comprometimento às leis e regulamentos que tratam da matéria.

A Resolução nº 1.989, de 10.05.1992, do Conselho Federal de Medicina, regulamentou o diagnóstico de anencefalia para a antecipação terapêutica do parto, e a Portaria nº 2.561, de 23.09.2020, do Ministério da Saúde, dispôs sobre o procedimento de justificação e autorização para a interrupção da gravidez, nos casos previstos em lei.

Em 2017 o PSOL ingressou com uma Ação de Descumprimento de Preceitos Fundamentais nº 442, perante o Supremo Tribunal Federal, pedindo que a Corte determine que dois artigos do Código Penal de 1940 (126 e 146), que criminalizam a gestante e a pessoa que realizar o aborto são inconstitucionais, por violação ao direito das mulheres à vida, à dignidade, à cidadania, à não discriminação, à liberdade, à igualdade, à saúde, ao final requerendo que os dois dispositivos sejam declarados inconstitucionais, por conseguinte, permitindo o aborto.

A relatora da ação, ministra aposentada Rosa Weber, em 22.09.2023, no plenário virtual, votou pela descriminalização da interrupção voluntária da gravidez, nas primeiras 12 (doze) semanas de gestação, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista realizado pelo ministro Roberto Barroso.

Sabe-se, contudo, que o Parlamento da França, reunido em 04.03.2024, aprovou por 780 votos a favor e 72 contra, emenda constitucional autorizando o aborto em todos os recantos do país, mediante critérios que deverão ser regulamentados em lei. Foi o primeiro país do mundo a consagrar o aborto em seu Texto Constitucional.

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, Professor, Doutor e Mestre em Direito de Execução Penal, Membro do Instituto Brasileiro de Execução Penal - IBEP

 

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