OPINIÃO

Embates da advocacia pública

Comemoremos hoje nossa Advocacia Pública, mas não nos descuidemos do principal: a primorosa atuação do advogado estreita-se e conflui com na defesa de políticas sociais do Estado Democrático de Direitos.

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FABIANA AUGUSTA DE ARAÚJO PEREIRA

Publicado em 07/03/2024 às 0:00 | Atualizado em 07/03/2024 às 10:03
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O 07 de março simboliza o Dia Nacional da Advocacia Pública e a relevância do marco da data coincide com a necessária instrumentalização do crucial papel de representação do Estado Democrático de Direitos. De fato, a Advocacia Pública, consubstanciada pelas carreiras de procuradorias dos entes federativos, carrega o peso e a responsabilidade do cotejo de implementação de políticas públicas. No entanto, apesar de sua importante função estar evidenciada na Constituição Federal de 1988, a advocacia pública remanesce desconhecida pela ampla maioria da população e padece da equivocada percepção de vinculação de seu encargo a demandas quaisquer de governo. Assim, mais importante do que as comemorações inerentes e até necessárias à data, faz-se salutar rememorar que a trajetória histórica da Advocacia Pública está intrinsecamente vinculada à garantia prestacional de direitos pelo Estado e à luta contra desígnios arbitrários de governos.

O artigo 131 da Constituição Federal confere autonomia e prerrogativas específicas aos membros da Advocacia pública, garantindo-lhes independência e imparcialidade na defesa dos interesses do Estado. No entanto, a construção do que hoje se compreende como uma carreira de Estado (e não de governo) transcorreu jungido a constantes enfrentamentos. De fato, em razão de nosso país ter sido colonizado pelo Estado monárquico Português - em que todos os bens e poderes estavam centralizados na figura do rei -, a estruturação da administração pública brasileira foi engendrada na tradição patrimonialista, de maneira que a figura do advogado público surge como um mero procurador, ou representação jurídica, do monarca colonizador.

De Fato, a trajetória da Advocacia Pública no Brasil remonta ao ano de 1603, quando as Ordenações Filipinas entraram em vigor sob ordens do rei Felipe II, estabelecendo o cargo de Procurador dos Feitos da Coroa Portuguesa e de Procurador dos Feitos da Fazenda. Em ambos os casos, o papel do Procurador estava atrelado intrinsecamente ao interesse da Coroa e não necessariamente a interesses coletivos.

Posteriormente, o monarca promoveu mudanças nas Ordenações, estabelecendo em 07 de março de 1609, a criação do Tribunal da Colônia em cuja composição fazia parte o Procurador da Fazenda e dos Feitos da Coroa, que também desempenhava atribuições do Promotor de Justiça da Casa de Suplicação. Assim, naquele dia 07 de março, surge a Advocacia pública no Brasil: uma simbiose de competências ministeriais e poder judicante.

O transcorrer do tempo e a complexificação das relações da Coroa Portuguesa no Brasil levou à congregação de múltiplas atribuições conferidas ao Procurador da Coroa: defesa dos interesses da Fazenda e Fiscais, Defensor Público, Desembargador e Promotor de Justiça.

Com a Proclamação da Independência do Brasil em 07 de setembro de 1822, seguida pela promulgação da primeira Constituição em 25 de março de 1824, o país passou da condição de colônia para a de Império do Brasil. Nesse contexto, a advocacia pública foi reconhecida constitucionalmente através do artigo 48 da referida Constituição, que atribuiu status constitucional ao Procurador da Coroa e Soberania Nacional, a quem incumbia, atribuições fazendárias, fiscais, consultivas e a responsabilidade pela promoção de ações penais.

Com o fim do regime imperial, a primeira Constituição Republicana do Brasil - promulgada em 24 de fevereiro de 1891, com inspiração em ideais da Revolução Americana e Francesa -, reestrutura do Estado brasileiro passando a abarcar (ao menos em tese) os desígnios do povo. Esta reconstrução é evidenciada na imagem do Procurador da República, cujas atribuições principais eram promover e representar o Ministério Público e Governo da República. Nesse sentido, inobstante a nova ordenação Estatal e o notório avanço decorrente do fato de a advocacia pública ter passado à representação dos interesses do Estado e do povo - e não mais de interesses da Coroa -, é de se obtemperar que restam confusas as atribuições inerentes ao Ministério Público e à representação do Governo. A distinção destas competências, no entanto, só virá na Constituição de 1988.

A construção do que hoje se compreende pelo papel da advocacia pública de representação do Estado Democrático garantidor de Direitos e de instrumentalização de políticas públicas voltadas aos interesses sociais, é reflexo da ideia liberal de governo restrito por leis congregada à soberania popular. A Advocacia Pública confere segurança jurídica da legalidade e viabilidade das políticas públicas e o advogado público é, portanto, a ponte que une subsistemas jurídico e político aos desígnios da sociedade.

Durante a pandemia, a atuação da advocacia restou mais evidenciada, trazendo ao público seu importante papel na garantia de legalidade e legitimidade das necessárias medidas de urgência adotadas no enfrentamento da COVID-19. Em exemplo: Advocacia Geral da União garantiu a reabertura segura das agências do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), assegurar a liberação de R$ 120 milhões do acordo feito com as mineradoras envolvidas no desastre de Mariana (MG) para serem utilizados pelos estados de Minas Gerais e Espírito Santo no combate à pandemia. Por outro lado, Procuradorias estaduais e municipais ajuizaram demandas perante o STF para delimitação das competências federativas de garantia de direitos à saúde pública, entre tantas outras frentes de atuação.

Portanto, comemoremos hoje nossa Advocacia Pública, mas não nos descuidemos do principal: a primorosa atuação do advogado estreita-se e conflui com na defesa de políticas sociais do Estado Democrático de Direitos.

Feliz 07 de março a todos os colegas da Advocacia Pública.

Fabiana Augusta de Araújo Pereira, procuradora federal e presidente da Comissão da Advocacia Pública da OABPE

 

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