OPINIÃO

A emergência do clima e a falta de protagonismo dos municípios e da sociedade

Poderia ser bem sintético para definir dois grandes movimentos ocorridos no século XX: a Revolução Industrial e uma retumbante explosão demográfica, notadamente na sua segunda metade.

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MAURO BUARQUE

Publicado em 23/03/2024 às 0:00 | Atualizado em 24/03/2024 às 16:54
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Esses fatores, caso fossem analisados isoladamente, em princípio, poderiam não ter repercussões tão negativas. É dizer que, se a revolução fosse um movimento planejado para absorver e preparar o planeta para um desenvolvimento de seus moradores, teríamos controle sobre o fato. Porém, o que existiu na prática foi um crescimento, que é bem diferente de desenvolvimento.

Para além dos dois fatos, nos concentramos nas chamadas metrópoles, que são atualmente o único bioma que se desenvolve e cresce em detrimento aos conhecidos (Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal, Caatinga e outros). Tudo, ou quase tudo, que conforma as grandes cidades foi edificado alterando o sítio original. Até aí tudo "quase normal". A questão é que especialmente as cidades se tornaram equipamentos de aquecimento do clima.

Em um rápido check list, podemos confirmar que a retirada da vegetação original provocou a redução da capacidade de absorver o carbono em todas as suas formas, provocou o aumento da temperatura do solo que ficou exposto e, para não nos alongar, reduziu a disponibilidade da água para o favorecimento das chuvas. Com a implantação das construções e infraestruturas, as cidades acumulam calor durante os dias, que já não conseguem se resfriar nas noites. A impermeabilização dos lotes, ruas e avenidas, igualmente, aquece o solo que perdeu a capacidade de recarregar aquíferos. Estão nas cidades, também, 80% da frota de veículos emissores dos gases de efeito estufa.

É um fato que todas essas alterações provocam mudanças profundas no clima local, entregando aos seus moradores um calor jamais visto. O aumento do calor na cidade altera a circulação dos ventos, o regime de chuvas da região, a diminuição da umidade relativa do ar, dentre outros fatores degradantes do clima. Ou seja, estamos produzindo a tempestade perfeita!

Aqui cabe anotar que sim, o problema está nas cidades, porém, também nas cidades pode e deve emergir a solução.

Todos nós já ouvimos o mantra do "pensar globalmente e agir localmente". Em 2015 a Organização das Nações Unidas (ONU) disponibilizou um olhar até 2030, para que pensemos e impactemos a sociedade de forma coletiva com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nessa linha de raciocínio, as cidades (seus moradores e seus governantes) devem pensar o que isso representa na prática! Aponto aqui um instrumento decisivo: os planos diretores! Esse é o documento mais efetivo de planejamento urbano, social e ambiental que tem sido produzido pelos governos. Infelizmente, nem sempre com participação e objetivos esperados.

Aqui no Recife, para citar um exemplo, em 2024 chegamos aos 6 anos da edição do último plano diretor. Assim como nas suas edições anteriores, a diretriz foi o do desenvolvimento sustentável, para fomentar o desenvolvimento econômico, social e ambiental.

A sociedade do Recife e de todas as cidades (acima de 20 mil habitantes) que por norma constitucional precisam desenvolver seus planos diretores, devem criar indicadores para cada uma das diretrizes. Precisamos fazer algumas perguntas, a exemplo de qual a capacidade de carga dos nossos bairros? Quantos por cento de área verde precisamos resguardar em cada quarteirão? E no bairro? Que locais da cidade precisamos desocupar por riscos de inundação e ou deslizamento para nos preparar para os eventos extremos?

Todas essas questões são assuntos pactuados e negociados com a sociedade quando se discute um plano diretor. É urgente que sejamos ambiciosos na definição dessas metas. Somos todos sabedores que é urgente trabalhar para reduzir as desigualdades sociais e econômicas. Mas não em detrimento das questões ambientais e climáticas. A conta de remediação de um planejamento urbano mal-feito chega! E é cara! Criar resiliência nas cidades pela via do planejamento urbano-ambiental é, sem sombra de dúvidas, mais barato.

Podemos fazer um pacto: vamos fazer de conta que já estamos em 2050 e escrever uma carta para nós mesmos em 2024. O que você registraria? No sentido contrário, em uma carta de 2024 para 2050, um assunto não faltaria, o calor escaldante!

Mauro Buarque, sócio fundador da Método Ambiental, especialista em Planejamento e Gerenciamento Ambiental

 

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