OPINIÃO

Pernambuco na rota do Golpe de 1964

O Nordeste do Brasil, em especial Pernambuco polarizou as atenções do País e do exterior pela entrada em cena das massa camponesas que se lançaram na luta por reivindicações mais imediatas, chegando até contestação da próprio modelo de propriedade dominante na região

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José Arlindo Soares

Publicado em 06/04/2024 às 0:00 | Atualizado em 08/04/2024 às 14:16
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Esse fenômeno faz com que os grande Jornais do Brasil e internacionais produzissem constantes matérias sobre aa radicalização social na Região, que segundo diziam poderiam ameaçar "às instituições, ao sistema econômico do País e ao próprio hemisfério ocidental."  Falava-se nos círculos políticos que o Consulado Americano no Recife tinha 14 ou 15 sub-consules para acompanharem, com lupa, o desenrolar das mobilizações sociais na Região, com o temor de uma revolta que resultasse em uma nova Cuba. Na verdade, a conjuntura pré- Golpe faz lembrar as nuances que marcaram as tensões socias e políticas nas diversas Regiões do País , como um processo desigual, mas, que se unificava, sem perder as diferenças .

Enquanto em São Paulo as reivindicações dos trabalhadores se circunscreviam, quase sempre, a melhorias salariais e modernização trabalhista, em Pernambuco, a emergência das massas camponeses transitavam com rapidez das demandas de superação dos fundamentos feudais da estrutura açucareira ou para o questionamento ao próprio modo de produção dominante. No Plano Político, enquanto no Centro Sul, talvez com exceção do Rio Grande do Sul, a esquerda realizava sua politica de aliança de forma não explicita, em Pernambuco a participação da esquerda assumia claramente a posição de protagonista principal nas alianças, mesmo sempre procurando articular com dissidentes do grupos econômicos dominantes .

Tanto é que, em 1958, a esquerda, partindo de seu extraordinário capital eleitoral na capital do Estado, articulou uma aliança com o Usineiro CID Sampaio e a Frente do Recife propôs construir uma Frente Desenvolvimentista que deveria integrar Pernambuco a um capitalismo moderno e nacional, numa antecipação do que vinha sendo discutida pelos grupos de trabalho que modelavam a SUDENE, o que Chico de Oliveira chamava, de forma meio irônica, o processo de "socialização "do capital do Centro Sul para o Nordeste."

A vitória eleitoral foi espetacular, mas, ao contrário do que a esquerda esperava, muito rapidamente, CID Sampaio abandonou o ideário de construção de um projeto de uma "Burguesia Nacional" para se integrar ao esquema Udenista de integração ao grande capital internacional, com todas as consequências que se veria logo depois. A radicalização dos segmentos conservadores não encontrava limites ao ponto dos deputados da UDN na Assembleia Legislativa de Pernambuco imputarem a Celso Furtado a pecha de Inimigo Público do Nordeste. Por seu lado, a Frente do Recife com Miguel Arraes no governo procurava manter um clima de normalidade ao propor modernizar as arcaicas relações sociais existentes.

Nessa direção, o grande avanço do Governo Arraes foi simplesmente aplicar a legislação trabalhista no campo obrigando o pagamento salarial em espécie, o que levou a extinção do famigerado Barracão. Arraes apelava ao Acordo do Campo; na lógica de seu discurso a intervenção das classes populares na luta por direitos significava um esforço para remover os entraves semifeudais na agricultura e promover a modernização na própria economia regional. Na ótica das classes proprietárias, no entanto, a presença organizada dos trabalhadores urbanos e rurais representava uma ameaça ao seu poder tradicional e ao sistema de propriedade vigente. Na verdade, a legalidade corria na contramão da ideologia oligárquica dominante, que já havia, na sua maioria, aderido a sublevação e ao golpe.

Tem-se então que, considerando a Conjuntura Nacional do Pré 64 e agregando a realidade politica de Pernambuco, pode-se afirmar que em que pese todos os avanços do Governo Arraes , ele é eleito quando a grande maioria dos grupos econômicos nacionais e parte da classe média já tinham decidido pela estruturação de um outro pacto político , sob a hegemonia do grande capital internacional , apoiando-se no ranço antirreformista e conservador dos altos escalões das Forças Armadas.

José Arlindo Soares, sociólogo, autor do livro "A Frente do Recife e o Governo Arraes", atual presidente do Centro Josué de Castro.

 

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