Opinião

O fechamento dos manicômios judiciários

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Adeildo Nunes

Publicado em 24/04/2024 às 15:52
Notícia

O Código Penal Brasileiro de 1940 (arts. 26 e 27) estabelece a isenção de pena para os menores de 18 (dezoito) anos de idade e em relação aos doentes mentais.

Para a lei brasileira, o menor de idade e o doente mental são inimputáveis, ou seja, não podem ser penalizados, mesmo que tenham cometido ilícitos penais de natureza grave, de média ou de pequena potencialidade.

Essa inimputabilidade penal deve ser apurada na data do cometimento da infração penal. No caso dos menores de 18 anos, a comprovação da menoridade deve se dar através da sua certidão de nascimento ou documento equivalente, enquanto a doença mental é exclusivamente cotejada com base em laudo psiquiátrico oficial.

Aos menores infratores, porém, em caso da prática de infrações penais, no devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, confirmada a sua participação nos atos infracionais, cabe ao Juiz da Infância e da Juventude aplicar medidas socioeducativas, previamente definidas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou internação em estabelecimentos de ensino), que devem ser fixadas de acordo com a capacidade de cumprimento do menor, as circunstâncias dos fatos e a gravidade da conduta.

Como se nota, a medida de internamento, a mais grave de todas, por um prazo de até 3 anos, deve ser realizada em estabelecimentos de educação e não em centros de acolhimentos de menores, que sempre foram equivalentes às mesmas condições humanas existentes nas prisões para adultos.

Quando o agente pratica um fato descrito como crime, na condição de doente mental e era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito da conduta, ao invés de uma sanção penal, o Juiz aplica uma medida de segurança, que pode ser um tratamento ambulatorial ou um internamento psiquiátrico, dependendo do tipo de doença detectada em laudo psiquiátrico oficial atestada por médicos-psiquiatras.

Definindo o Juiz pelo internamento, o paciente deve ser recolhido em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, que existe em todos os Estados do País e lá deverão permanecer por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante novo laudo médico, a cessação da sua periculosidade.

Esses hospitais foram criados pela Lei de Execução Penal de 1984, com a finalidade exclusiva de custodiar e de realizar o tratamento psiquiátrico adequado.

Ocorre, porém, que com a Resolução nº487, de 15.02.2023, o Conselho Nacional de Justiça determinou que no prazo de 6 (seis) meses contados da publicação da Resolução, a autoridade judicial competente determinará a interdição parcial de estabelecimentos, alas ou instituições congêneres de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil, com proibição de novas internações em suas dependências e, em até 12 (doze) meses a partir da entrada em vigor da Resolução, a interdição total e o fechamento dessas instituições.

Significa, assim, que até 15.02.2024, todos os hospitais de custódia e tratamento psiquiátricos deveriam ser interditados, ao tempo em que restou autorizada, também, a transferência de todos os pacientes internados para estabelecimentos congêneres (hospitais psiquiátricos públicos) ou unidades prisionais, transformando, sem lei, a medida de segurança em sanção penal, contrariando, ademais, o Código Penal de 1940 e a Lei de Execução Penal, que estabelecem uma nítida diferenciação entre a medida de segurança e a pena.

Em 27.02.2024, todavia, O Conselho Nacional de Justiça estendeu em três meses o prazo para que tribunais e, consequentemente, estados e municípios, adaptem seus sistemas à Política Antimanicomial do Poder Judiciário, instituída pela Resolução CNJ 487/2023. A data-limite para o fechamento dos estabelecimentos, alas ou instituições congêneres de custódia e tratamento psiquiátrico no Brasil vence no dia 28 de agosto de 2024.

Ora bem: dados consolidados pela Secretaria Nacional de Políticas Penais e divulgados em janeiro de 2024, informam que mais de 3.500 pacientes estavam custodiados nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátricos, muitos deles apresentando extremo grau de periculosidade (pedófilos, homicidas, traficantes de drogas), que deveriam permanecer submetidos a um tratamento psiquiátrico rigoroso e que certamente voltarão a praticar os mesmos ilícitos penais, considerando a grave doença mental que lhes acomete.

Nesse diapasão, contrariando o nosso Código Penal e a Lei de Execução Penal, e sem apresentar soluções alternativas concretas e eficientes para tamanha gravidade social, o CNJ esqueceu que no Brasil já são poucos os hospitais públicos psiquiátricos para o acolhimento daqueles não envolvidos no crime, sem contar que as nossas prisões de adultos de há muito estão superlotadas (hoje são 800 mil detentos, para 450 mil vagas).

Bem por isso, além de um grande debate nacional sobre a matéria, no afã de concretamente apresentar soluções práticas para tamanho drama social, o bom senso indica a revogação imediata da Resolução nº 487/2023-CNJ, evitando, por conseguinte, que um número acentuado de pessoas voltadas para o crime sejam abandonadas e voltem a cometer os mesmos delitos de antes.

Adeildo Nunes, Juiz de Direito Aposentado, Professor do Instituto dos Magistrados do Nordeste, Doutor e Mestre em Direito de Execução Penal pela Universidade Lusíada de Lisboa, Sócio do Escritório Nunes, Siqueira e Rêgo Barros – Advogados Criminais.

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