OPINIÃO

Inclusão social através da cultura

O Brasil está defasado com relação a esses conceitos que a ordem mundial costuma ensejar

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ROBERTO PEREIRA

Publicado em 28/04/2024 às 5:00
Notícia

A cultura é fundamental à conquista do desenvolvimento. A compreensão dessa assertiva vem se consolidando como um dos desafios de maior relevo para os países situados na esteira do crescimento socioeconômico, notadamente nos anos subsequentes aos deste início de quadrante do século atual. Lastreando esse cenário estão as conceituações do que vem a ser indústria criativa e economia criativa.

Ana Carla Fonseca Reis, especialista em economia da cultura, conceitua um deles: “Embora não haja unanimidade a respeito, normalmente são consideradas como indústrias criativas as que utilizam a criatividade individual para gerar direitos e, em decorrência, riquezas e empregos.”

Edna dos Santos, que coordena o Departamento da Unctad (Organização das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento), conceituou o que vem a ser economia criativa em recente entrevista para a Folha de São Paulo: “pode ser definida como o ciclo que engloba a criação, produção e distribuição de produtos e serviços que usam o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos produtivos.”
Edna ainda disse: “a economia criativa é uma área vasta e heterogênea que abrange desde os produtos artesanais até as artes cênicas, artes visuais, os serviços audiovisuais, multimídia, indústrias de software etc.

Seus principais subgrupos são: música e indústria fonográfica; cinema, rádio e televisão; teatro e dança; pintura, fotografia e escultura; edição e publicidade; indústria digital e jogos de computador; e desenho em geral, que vai desde a arquitetura ao desenho industrial e a moda.”

A ONU calcula o giro financeiro mundial de produtos culturais em US$ 1,3 trilhão, correspondendo a 7% do PIB mundial. A previsão de crescimento, das indústrias criativas, é de 10% a.a, já que as elas vêm numa espiral de crescimento das mais acentuadas. Portanto, a economia criativa é a grande indutora do desenvolvimento social neste século.

Os países desenvolvidos já vaticinaram esse futuro, vendo-o repleto de boas sementes, sementes capazes de promoverem, através da cultura, os frutos da inclusão social, daí estarem fazendo da economia criativa uma prioridade e uma questão de Estado.

O Brasil está defasado com relação a esses conceitos que a ordem mundial costuma ensejar: a cultura caminha sob a visão turva que a faz confundir-se apenas com produção literária e artística, e sempre como uma produção supérflua, capaz de elevar o espírito, mas parecendo fragilizada por não encher as barrigas dos seus artífices. Essa miopia está nas retinas do próprio setor cultural, no âmbito governamental que peca por escolher gestores amadores, descurando do profissionalismo e da qualificação que deveriam permear os que estão à frente das políticas públicas de apoio à cultura.

Na França, o Institut pour le Financement du Cinéma et des Industries Culturelles (IFCIC), tendo como acionistas o Estado e estabelecimentos bancários, intermedeia financiamentos para projetos, quando as instituições financeiras oferecem garantias de até 70% em caso de falência das produtoras, já que os empréstimos são concedidos às pequenas e médias empresas.

No Reino Unido, onde existe um Ministério exclusivo para cuidar dessa ação, 95% das empresas criativas empregam até 10 funcionários, sendo este um ativo ao bem comum.
Aqui, onde o IBGE, anuncia que 99,2% das empresas do setor formal na área urbana são micro ou pequenas empresas, as indústrias encontram uma chance única de aliar a inclusão social à inclusão econômica, mediante a descoberta de novos nichos de negócios.

A Inglaterra, até hoje, está no pódio dos países que mais explorou as indústrias criativas, a ponto de elas representarem 8,2% do PIB daquele País, empregando quase 2 milhões de pessoas. (No Brasil a produção cultural atinge apenas a 1% do PIB nacional).

Nos EUA, elas empregam cerca de 4,7 milhões de pessoas. A indústria cinematográfica americana movimentou, no ano que antecedeu à Pandemia do Covid19, US$ 8,35 bilhões.

A Indústria de Software e Serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação (ISSTIC) no Brasil registrou uma produção estimada em US$ 53,3 bilhões em 2021, valor que responde por 82,8% do total dos serviços produzidos pelo setor de TIC e aponta para um crescimento de 6,5% em relação ao observado no ano anterior.
Aqui, no Brasil, à medida que o preconceito cede lugar ao conceito, o espectro cultural e a sua fruição vão cedendo o justo e meritório espaço à cultura afrodescendente, aos quilombolas, aos LGBTQIAPN+, enfim a todos os segmentos da sociedade.

Aqui, os bancos sociais tradicionais estão ainda desconfortáveis diante de projetos que têm o apelo da indústria criativa, mas esses estabelecimentos e os gestores públicos, também os artífices da cultura, trazem, no bojo de sua de suas concepções, a ideia arcaica de cultura que remonta ao século 19 num atraso à inclusão social que se pretende seja urgente e eficaz. Esse tema bem que se presta para um Fórum que possa discutir, de forma mais ampla, sempre buscando um envolvimento maior dos setores da cultura, das associações de classe, dos sindicatos, enfim da verdadeira representação do segmento cultural de cada estado brasileiro, pois a exclusão social – como sabemos - é a negação da cidadania.

Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.

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