O vagabundo das praças públicas
O nosso vagabundo de plantão não mexe com ninguém e vive sentado ou deitado, sozinho, dormindo nos bancos
Aqui perto de onde moro, tem uma pracinha chamada Luís Ignácio Pessoa de Mello, no bairro do Rosarinho. É uma pracinha pacata, com algumas árvores frutíferas e um bom número de passarinhos.
Ao cair da tarde, os sabiás costumam cantar antes de se recolher aos seus ninhos, construídos sempre nos galhos altos dos cajueiros, jambeiros e mangueiras, para se defender dos predadores.
A pracinha é frequentada por senhoras e senhores com cachorros de raça nobre, que custam caro. Seus donos e donas conversam com outros donos e donas de cachorro e tratam seus animais como se fossem filhos ou parentes.
E trocam valiosas informações entre si sobre doenças dos bichinhos, seus hábitos, manhas e costumes. Tem quem goste dos cachorros das madames, e faz afagos e carinho em suas cabeças, mas tem quem não goste e os evite. Assim é a vida. Assim é nossa bucólica pracinha.
Mas a pracinha, como toda praça que se preze, tem seus vagabundos de plantão. O nosso vagabundo de plantão não mexe com ninguém e vive sentado ou deitado, sozinho, dormindo nos bancos.
Mulato, descalço, de bermudas e camisa esportiva velha, cumprimenta quem passa, com breve e respeitoso “bom dia” ou “ boa tarde”, e permanece quieto, em seu lugar, curtindo a solidão.
Às vezes, recebe visitas ilustres de companheiros e amigos. São outros vagabundos que trazem latinhas de cachaça para dividir com ele, tira-gosto e cigarros industrializados ou a ser preparado na hora, um pozinho branco, muito cheirado no Leblon, Boa Viagem e Casa Forte.
Em pouco tempo, a conversa entre eles anima, uns cantam, outros riem, contam casos picantes e engraçados, alterando a voz, cada vez mais afugentando a depressão, o mal do século.
Do meu canto, sentado no banco, cerca de vinte metros de distância do grupelho, fico apreciando a sena. Na verdade, eu sempre simpatizei com os vagabundos das praças públicas. Sempre devotei um mudo e especial carinho por eles, que, no fundo, são uns sábios.
Como eles conseguem sobreviver longe dos pesadelos da sociedade, sem se preocupar com imposto de renda, carteira de identidade e de motorista, certificado de residência?
Sem trabalho fixo, imunes a estresse de qualquer espécie? Um dia perguntei seu nome a meu vagabundo de estimação e ele respondeu que não tinha nome. Com isso ele atingiu a perfeição do bem viver. Pra que nome, Ângelo Monteiro?
Arthur Carvalho, InstitutoHistórico de Olinda - IHO