OPINIÃO

Hora de responsabilizar as omissões no Rio Grande do Sul

O tal futuro apocalíptico chegou. Exatamente! aquele que os mais céticos insistiam em não concordar com os dados apresentados pelos cientistas nos seus relatórios, a exemplo dos apresentados pelo painel do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).

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MAURO BUARQUE

Publicado em 29/05/2024 às 0:00 | Atualizado em 29/05/2024 às 16:33
Notícia

Efetivamente, a população do Rio Grande do Sul está vivenciando a maior catástrofe da sua história. São mais de 400 municípios atingidos e mais de 2 milhões de pessoas impactadas diretamente e, outro tanto que teve suas rotinas alteradas indiretamente. A destruição da infraestrutura das cidades é sem precedentes. Do aeroporto internacional, passando por estradas, viadutos e pontes, chegando às casas e edifícios, pelo comércio e, no campo, extensas áreas de lavouras.

Nos quatro piores dias, choveu quase a metade do que chove em um ano inteiro no Recife. E nós sabemos que chove bastante por aqui. Para se ter uma ideia da superfície alagada pelas chuvas, ela equivale a quase 30 vezes o tamanho do Recife. Foram mais de 6 mil quilômetros quadrados, nossa cidade tem 220.

Sobre esse e os eventos extremos que ainda experimentaremos, não há mais que se falar em prudência e paciência na hora de se buscar culpa e culpado. Tudo o que acontece nos dias atuais é uma resultante do que fizemos nos últimos 100 anos. É dizer que mudanças climáticas é uma invenção nossa e não uma ira dos céus.

Os modelos matemáticos que dão suporte às decisões governamentais e a legislação ambiental entraram em obsolescência programada. Não respondem mais ao atual estágio da crise de dimensão planetária que estamos vivendo.

Os governos dos estados do sul do país foram e são responsáveis por mais de uma centena de alterações normativas - legais e infra legais, daquela época do "ir passando a boiada", que catalisou e pode ter magnificado o resultado desse evento extremo. Portanto, passada a fase do atendimento emergencial, é imperioso que se busquem os culpados.

O argumento - a legislação nunca foi tão protetiva - tem o único objetivo de blindar os atuais gestores, que sim, são corresponsáveis por essa tragédia. E lançando-se mão dos argumentos dos que defendem esse mau feito, tudo o que iremos enfrentar é complexo. Exatamente por ter essa complexidade é que não se pode ser resolvido por atitudes simples de "baixar o sarrafo da legislação" para acomodar atividades, usos, infraestruturas e empreendimentos que não mais cabiam nas cidades. Flexibilizar normas e a análise técnica não representa a desburocratização esperada pela iniciativa privada. Esse é outro debate, e seria sobre eficiência de gestão da administração púbica.

O mais grave é que atualmente tramitam no congresso mais de 25 projetos de lei e emendas à Constituição, não só com potencial, mas com objetivo de reduzir efetivamente a proteção e ampliar a destruição ambiental, segundo o Observatório do Clima. No próprio estado do Rio Grande do Sul, em 2019, o atual governo alterou mais de 400 dispositivos do Código Ambiental Estadual. Esse documento tido até então como referência nacional, foi produzido nos anos 2000 ainda quando não se tinha a alteração climática. Hoje diante da emergência, ao invés de robustecê-lo, o Estado afrouxou num claro ato de irresponsabilidade.

Como já constatado, a complexidade do enfrentamento ou convivência com a emergência climática chegou ao grau máximo. Rigorosamente, todas as grandes cidades - aqui se incluem as capitais - passarão pelo que o Sul está passando, numa intensidade menor ou até maior. Para adicionar mais dificuldades nesse cenário, menos da metade das capitais brasileiras possui planos de emergência climática e nem de evacuação de áreas em situação de risco.

Ainda para aumentar os nossos desafios, no Brasil não temos a cultura da educação para a crise! de educar a população para esses eventos extremos. Ao se conhecer o exemplo do Japão, que é um paradigma no assunto, desde a primeira idade, as crianças já convivem nas escolas com treinamentos para o "caos", no case deles os terremotos.

Então, diante de tantas construções de legislação, de cidadania, de planos e outras tantas iniciativas, o que estamos esperando?

O preço do planejar e de criar cidades resilientes é alto. Porém, é infinitamente menor que o da reconstrução. Vide os números anunciados (que ainda irão subir bastante) para o Rio Grande, em se tratando apenas da infraestrutura e não contabilizando as perdas humanas e animais.

Já não temos tempo para esperar pela providência divina. Até porque essa culpa não é dos céus, é nossa. Precisamos seguir a ciência, pôr em pratica os planos que foram negligenciados e responsabilizar os que não os puseram (ou os reverteram) em prática.

Mauro Buarque, sócio fundador da Método Ambiental, especialista em Planejamento e Gerenciamento Ambiental

 

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