OPINIÃO

Ecoansiedade: a nova doença

A ecoansiedade ou ansiedade climática é o medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas

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JOÃO HUMBERTO MARTORELLI

Publicado em 30/05/2024 às 0:00 | Atualizado em 30/05/2024 às 11:18
Notícia

De repente, nova patologia, além das muitas de meus 68 anos: tornei-me ecoansioso. A um só tempo, enchentes no RS, no Texas, no Afeganistão, na Alemanha, todas devastadoras, e mais desastres climáticos anunciados, furacões e tornados de altíssima intensidade. O permafrost siberiano descongelando e liberando milhões de bactérias e vírus contidos por milhões de anos, sem falar que o próprio brilho da Terra, por efeito do fenômeno, diminui. 2023 foi o ano mais quente da história, provavelmente 2024 será pior. E Recife, entre as cidades no mundo que mais sofrerão com as intempéries, está em 16º lugar no grau de risco.

Já dei muito à tragédia das cheias nos anos 70. As cheias são antigas. A Bandeira, renderam versos: Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu. E nos pregões da ponte do trem de ferro os caboclos destemidos em jangadas de bananeiras. A mim, só tragédia - a água invadiu minha casa e minha infância, levou móveis, lençóis e lembranças, minha mãe louca, os versos de Evocação do Recife incutindo-me culpa. Tudo isso me faz olhar o mar em frente com medo, e começo a procurar um lugar bem alto para viver o resto dos meus dias. Sair da beira-mar é agora prioridade.

A ecoansiedade ou ansiedade climática é definida pela Associação Americana de Psicologia como o medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas. O termo já está no dicionário da língua portuguesa da Academia Brasileira de Letras.

De sorte que, da defesa filosófica do meio ambiente e do desprezo ao negacionismo, andei para o quadro patológico, e não penso em outra coisa. Exagero? Talvez, não na urgência e relevância do problema, porém. Acodem diversas reflexões importantes. A primeira é que o sistema capitalista é incompatível com a preservação do planeta. A demanda por bens essenciais e não essenciais é avassaladora, somos todos clientes, consumidores e empresários, por nós sucumbem as reservas minerais, florestas, rios, mares, fauna e flora. Decidimos já pela paulatina e agora já acelerada destruição da Terra. A segunda é que o sistema político, notadamente o nosso, a democracia com eleições periódicas, não consegue ainda entregar: o meio ambiente sempre é projeto de longo prazo, e não rende dividendos eleitorais ao imediatismo do poder. Precisamos aperfeiçoar os sistemas.

A questão de fundo, entretanto, é sempre o descaso do homem com o seu habitat. Minha teoria é que a morte condiciona tamanha decepção com tudo o que fazemos, que não importa. No mundo ocidental, vivemos com sofreguidão, sem pensar nos mistérios e sobretudo no propósito da criação. O que é normal, pois não temos o descortino do criador. Daí vêm também, e isto pode ser o furo ou a comprovação de minha teoria, as guerras, a mesquinhez, a falta de amor ao próximo, de solidariedade e de compaixão.

Continuaremos a viver (ou a desviver) assim, sem propósito de futuro? Não sei. Sei que estou à procura de um lugar bem alto. Meu verso preferido hoje é o último da elegia de Vinícius: Solness, voa para a montanha, meu amigo, começa a construir uma torre bem alta, bem alta...onde, talvez, em vingança de minha fuga dos mares e dos rios, me fulminarão certeiros raios do céu.

 

João Humberto Martorelli, advogado

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