OPINIÃO

Velório de frei Damião parou o Recife

Durante três dias, 180 mil pessoas visitaram seu corpo

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JOÃO ALBERTO MARTINS SOBRAL

Publicado em 31/05/2024 às 0:00 | Atualizado em 31/05/2024 às 10:22
Notícia

Sábado, 31 de maio de 1997, 19h20: Falecia no Hospital Português, frei Damião de Bozanno, depois de ter 19 dias em coma decorrente de um derrame cerebral. Cinco dias antes, já tinha tido morte cerebral. Durante os 26 dias em que ficou internado, devotos e romeiros fizeram plantão em frente à unidade de saúde, rezando, cantando e prestando homenagens. Naquela época, os jornais só fechavam as edições dos domingos na noite do sábado. Naquele dia, as redações foram convocadas e tivemos edições especiais, que circularam na manhã do domingo. Eu escrevi um artigo relembrando um encontro que tinha tido com Frei Damião, uma pessoa que sempre me transmitiu a imagem de um santo.

Há exatos 27 anos, o Recife literalmente parou para acompanhar o enterro de Frei Damião de Bozzano, um religioso com grande atuação em todo o Nordeste, que está em processo de beatificação pelo Vaticano e já recebeu os títulos de servo de Deus e venerável. São muitos os relatos de milagres conseguidos por sua inteceção. Seu nome original era Pio Giannoti, nasceu na cidade italiana de Bozzano, na Toscana. Antes de entrar na Ordem dos Capuchinhos, participou da Primeira Guerra Mundial. Foi ordenado sacerdote em agosto de 1923 e em 1931, transferiu-se para o Recife, passando a morar no Convento da Penha. Sua primeira missa foi na capela de São Miguel, no Riacho do Mel, em Gravatá.

Frei Damião ocupou-se em disseminar "as santas missões" pelo interior do Nordeste. Eram um tipo de cruzada missionária, de alguns dias de duração, pelas cidades nordestinas. Nessas ocasiões, era armado um palanque ao ar livre com vários alto-falantes onde o frade transmitia os seus sermões. Quando perguntei a ele sobre os principais objetivos de suas "santas missões" aos sertanejos, o frei disse que um dos objetivos era "livrá-los do demônio, que queria afastá-los da Igreja e fazê-los abraçar outro credo."

Nunca abandonou suas caminhadas e romarias pelas localidades, principalmente no Nordeste, no qual acompanhava com e sempre, um terço e um crucifixo nas mãos. Só parou poucos meses antes de falecer, devido ao agravamento de seu problema na coluna vertebral resultado da má postura de toda a vida. E de graves problemas pulmonares, que o levaram a internações frequentes, sendo acompanhado desde 1990 até sua morte, pelo pneumologista, Blancard Torres. Durante 40 anos, Frei Damião foi acompanhado pelo Frei Fernando Rossi, que veio da Itália com essa missão e que morreu em 2013, aos 95 anos.

Seu corpo foi transferido para o velório, na Basílica da Penha, onde chegou no final da manhã. Imediatamente atraiu atraindo uma multidão de fieis do Recife e de muitas e muitas caravanas, que vieram de várias cidades do Nordeste. O caixão era protegido por quatro policiais militares, que tentavam proibir, sem sucesso, que os fieis tocassem no corpo de Frei Damião. A fila para entrar na igreja tinha vários quilômetros de extensão. No mesmo dia, o presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador Miguel Arraes e o prefeito do Recife Roberto Magalhães decretaram três dias de luto.

O velório de frei Damião durou três dias (1, 2 e 3 de junho de 1997). Os capuchinhos escolheram a Basílica da Penha como local para velá-lo por uma questão simbólica: o Convento da Penha no início das suas peregrinações pelo Nordeste, em 1931. Durante 35 anos, frei Damião usou como dormitório um quarto no segundo andar do prédio. O sacerdote ficou no Convento de Nossa Senhora da Penha até 1966, quando houve a separação entre os capuchinhos italianos e brasileiros. Foi quando se transferiu para o Convento de São Felix Cantalice, no Pina, onde viveu até morrer. Foi lá onde conversei com ele.

Mais de 180 mil pessoas comparecerem ao velório segundo a Polícia Militar. Romeiros esperaram mais de cinco horas em longas filas, algumas com cinco quilômetros de extensão. Muitos chegaram a madrugar em frente à Basília para dar o último adeus a frei Damião, levando fotos e flores. No velório muitas pessoas conhecidas, como o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que veio de Miami, e Pedro de Lara, que era jurado do programa de Sílvio Santos no SBT.

Depois do velório, o corpo do frade seguiu em carro aberto do Corpo de Bombeiros até o Estádio do Arruda. No cortejo que durou três horas, devotos acompanharam a pé e de carro, enquanto um público de 35 mil pessoas esperava o frei no estádio para assistir à missa de corpo presente. A celebração, conduzida pelo arcebispo pelo arcebispo Dom Helder Câmara contou com a presença de 217 sacerdotes do Brasil.

O enterro foi às 16h, no Convento São Félix Cantalice, no Pina, e foi restrito a 60 pessoas religiosos, autoridades e a imprensa. O corpo de frei Damião foi levado do Estádio do Arruda de helicóptero. Logo depois de encerrado o sepultamento, que foi acompanhado pelos fieis por meio de telões, abriu-se a visitação ao túmulo.

Até hoje, atrai multidões ao Convento de São Felix Cantalice, mas existe um projeto para construção do Memorial Frei Damião, um notável complexo religioso em Caruaru. O projeto está sendo encaminhado pelo prefeito Rodrigo Pinheiro, com o apoio da governadora Raquel Lyra. Serviria, inclusive, para facilitar o acesso de fieis do frei de todo o Nordeste. Ele já tem um memorial na cidade de Guarabira, na Paraíba, muito visitado por devotos.

João Alberto Martins Sobral, advogado

 

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