OPINIÃO

A dualidade contraditória de cada dia

Se aspiramos a um futuro melhor e a gerações menos falhas que a nossa, façamos por onde. Admitamos as próprias incoerências e as suplantemos.

Publicado em 25/06/2024 às 17:35
Notícia

Permita o estimado leitor que eu retome, nas linhas a seguir, no hoje e no agora, a opção por um texto mais reflexivo. Explico. Um texto, em síntese, sem um tópico específico a abordar. Nada sobre Política (seara tão divisiva), mas sobre o reabraço a um estilo que se propõe a engajar mais. Pois bem.

Das muitas observações que recolho da realidade, me dei conta, já faz tempo, de que existem pautas que, por uma razão ou outra, alguns evitam ou diante das quais se mostram indiferentes ou sofrem de amnésia seletiva, o que é pior.

Cito, por exemplo, socorrendo-me de incontáveis estudos, alguns deles internacionais, fato de que o Brasil persiste uma sociedade ainda involuída no tocante a uma cultura antipreconceito. Os abusos seguem sendo rotina, não exceção. Multiplicam-se como provam os jornais. Já não escolhem seu locus, nem horário, nem ocasião. Quantos objetivamente pensam certos assuntos de modo crítico e fomentam a reflexão capaz de se tornar ação concreta?

Há, ainda, os que, também não sendo poucos, como não são, defendem que, no enfrentamento à criminalidade, da mais simples à mais sofisticada, sem exceção, os fins justificam os meios. Que não é problema que o meramente investigado seja exposto ou que a sua residência ou ambiente de trabalho seja devassado. Nem que se torne de domínio público a escola em que estudam seus fios.

Na vertente da criminalidade violenta, não falta quem endosse, achando ser sinônimo de indignação, a figura da vingança privada, desde que se atinja o objetivo maior. É o velho slogan de que bandido bom é bandido morto. Também não falta quem exorte a prisão perpétua, a pena de morte e o paredão de fuzilamento. Ou que relativize a tortura como método para a obtenção de confissões. Ou que renegue que o País viveu por 21 anos uma ditadura militar. Ou que criminalize o direito da mulher sobre o seu próprio corpo.

Quando a atenção se concentra nas redes sociais da Internet, o prognóstico é, com zero surpresa, desesperador. Ao cair da ficha, os que ainda se esforçam em preservar algum estoque de lucidez são confrontados à atitude de outros para quem não interessam a presunção de inocência, nem o contraditório, nem o devido processo legal, pois investigado, suspeito ou réu – o nome não interessa – é sempre culpado e às favas com o resto. Primeiro atirar, depois perguntar.

Continuando na exemplificação cotidiana. Quantos não reagem em tom irritado, decepcionado ou até de deboche às matérias jornalísticas que noticiam que um indivíduo qualquer, que pode ser um gari, encontrou dentro do lixo uma bolsa contendo dinheiro e a devolveu ao dono? Quantos, achando-se minoritários em um debate de interesse coletivo, fazem juras de amor à divergência, autoelogiam a maturidade que julgam possuir, mas, em seguida, desqualificam a tese vencedora e os que a ela, conscientemente, em maioria, aderiram?

Quantos prezam o sono sereno da consciência tranquila? Quantos sustentam os rigores da lei para todos, menos um pouco para si e os seus? Quantos abominam os políticos, adjetivando-os dos piores nomes, porém, nas urnas, tratam o dever do voto como uma chatice que o Estado impõe para arruinar o domingo dos cidadãos?

Quantos não são os que preconizam, a plenos pulmões, autodefinindo a si mesmos como patriotas, inclusive em discursos inflamados dos púlpitos parlamentares, que a liberdade de expressão é um voo sem altitude de cruzeiro e que é proibido proibir? Que se pode afirmar, escrever, até compartilhar o conteúdo que for, seja contra quem for, nos termos que for, que o escudo sagrado da liberdade de expressão o(a) protegerá, sob o signo da imunidade? Que é “super de boa” invadir prédio público, vandalizar obras de arte nele abrigadas, acampar em frente aos quartéis clamando por nova ruptura da democracia, que não é nada de mais, cortesia de Sua Excelência, a liberdade de expressão?

Se aspiramos a um futuro melhor e a gerações menos falhas que a nossa, façamos por onde. Admitamos as próprias incoerências e as suplantemos. É fácil imputar ao outro a culpa, lavando as mãos, como o fez Pôncio Pilatos em relação à perseguição sofrida por Jesus. Difícil é aceitar a culpa própria.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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