Opinião

A novela das sobras ainda não terminou...

Destaque pedido por um dos ministros do STF implica em recomeçar o julgamento do zero, podendo os ministros mudarem os votos proferidos até aqui

Publicado em 29/06/2024 às 11:17
Notícia

Objetivando evitar acesso ao Parlamento de partidos e candidatos com votações insignificantes nas eleições proporcionais, a Lei 14.211/21 estatuiu a “regra dos 80-20”: somente poderão concorrer às sobras de voto partidos ou federações com votação de pelo menos 80% do quociente eleitoral(QE)e que seus candidatos obtenham votos de no mínimo 20% desse QE.

No bojo do novel regramento impunha-se que na terceira fase do processo de alocação de vagas parlamentares entre os partidos - também conhecida como fase da “sobra das sobras” ou fase da “repescagem” -,havendo vagas remanescentes não preenchidas nas fases anteriores, elas seriam ocupadas apenas pelos partidos ou federações que atingissem a cláusula de 80% do QE (o requisito de 20% do QE é flexibilizado).

Irresignados com as restrições impostas nesta terceira etapa, os partidos REDE, Podemos/PSB, e Progressistas, impetraram no STF as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7228, 7263 e 7325, respectivamente, demandando que nesta terceira etapa concorram aos lugares remanescentes, pelo critério das maiores médias, todas as siglas que participaram do pleito, dispensadas as exigências da regra dos 80-20.

Fortificando as razões que ensejaram a impugnação dos dispositivos legais, os requerentes colacionam argumentos de que a norma em vigor perpetra ofensas ao princípio da igualdade de chances, ao pluralismo político, à representação das minorias e aos fundamentos do sistema proporcional.

Por maioria de votos (7 x 4) o plenário do STF, na sessão do dia 28/02/2024, deu provimento às ADIs e considerou inconstitucional a aplicação das cláusulas de desempenho instituídas na última fase da distribuição das sobras eleitorais, definindo, ainda, por margem apertada (6 x 5), que a decisão teria efeitos ex-nunc, aplicada daqui para frente, incluindo as eleições de 2024, não impactando no resultado do último pleito proporcional.

Publicado o Acórdão correspondente, os partidos PSB e Podemos ajuizaram recursos (embargos de declaração) nos quais sustentam que, de acordo com o art. 27 da Lei 9.868/1999, impõe-se o requisito de pelos menos oito votos para a modulação dos efeitos temporais da decisão do plenário.

Como isso não aconteceu, visto que o placar que modulou a decisão foi de 6 x 5 votos, as alterações consideradas inconstitucionais pela Corte Máxima deveriam ter efeito ex-tunc, quer dizer, retroagir e valer para o pleito de 2022 (o que implicaria na substituição de sete deputados federais eleitos).

No julgamento do embargo, em sessão plenária virtual na sexta-feira 21/06, o STF já havia formado maioria (6 de 11 votos) para acolher os recursos, mudando o alcance da decisão anterior, quando o ministro André Mendonça pediu destaque, o que retira o caso do ambiente virtual e o remete ao plenário físico.

O problema é que o destaque implica em recomeçar o julgamento do zero, com os ministros tendo que votar novamente, podendo até mudar seus posicionamentos anteriores. A exceção é o voto já proferido por ministros aposentados, Ricardo Lewandowski, in casu, que acatou a inconstitucionalidade da norma sob invectiva e foi pela modulação a partir do pleito vindouro.

A data do julgamento presencial ainda não foi marcada, mas os juízes que pugnaram pela inconstitucionalidade do atual mecanismo eleitoral, ofensivo ao pluralismo político e à vontade do eleitor, dificilmente mudarão seus entendimentos.

Nesta senda, a pauta revisora ficaria adstrita à modulação, se ex-nunc, com vigência a partir do pleito de 2024, ou ex-tunc, desde a eleição de 2022, mas com provimento do objeto central das ADIs, restaurando-se a harmonia com a lógica do sistema proporcional.

Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br

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