"O Buraco de Otília" marcou época no Recife

Almocei com Lula, que pediu uma lapada de Pitú e galinha de cabidela. O restaurante era muito simples, e Otília sempre com sorriso aberto

Publicado em 12/07/2024 às 0:00 | Atualizado em 12/07/2024 às 8:25

Ótília Pereira da Silva foi uma alagoana, de cabelos bem pretos, um sorriso sempre aberto e uma simpatia contagiante. Em 1935 veio para o Recife, trabalhar como empregada doméstica, mas logo sua fama de excelente cozinheira se espalhou pela cidade. Fez muitos amigos e alguns deles acabaram por incentivá-la a abrir um restaurante para servir seus delícias, pratos nordestinos, que ela preparava com maestria.

E conseguiram uma palafita, na Rua da Aurora, com vista para a Ponte de Limoeiro. Um deles, que era português sugeriu o nome, que se consagrou: "O Buraco de Otília". Foi inspirado em lugares de comer populares em algumas regiões de Portugal, funcionais, onde o maior destaque é a comida, sempre feita pelos donos(as) das casas. Na minha recente viagem a Portugal, vi um restaurante com o nome "O Buraco de José", pertinho da cidade de Braga.

A casa era, evidentemente, muito simples, com móveis doados. Abriu em 1950 e puxado pelos pratos de Otília, logo se transformou num imenso sucesso. A propaganda boca-a-boca, encheu a casa. Nos anos 60, a Prefeitura determinou a derrubada da palafita, para ampliação da Rua da Aurora. Otília não desanimou. Já com algum dinheiro em caixa, alugou um casarão em frente e em apenas três meses preparou a casa. Ficava na Rua da Aurora 1231, que logo se transformou num espaço antológico, patrimônio da cidade. Tinha dois andares originalmente de moradia e foram preservadas as divisões dos seus cômodos originais, os quartos e as salas. Era, recordo bem, pintada de azul.

Estive lá incontáveis vezes, me tornei amigo dela, que sempre me recebia com carinho. Cardápio tinha delícias como peixe com camarão, carne de sol com farofa de jerimum, peixe com molho de camarão, sururu, sarapatel, buchada para citar algumas, mas sempre optei pelo carro-chefe da casa, a galinha de cabidela, insuperável. Com direito também, ao caldinho de feijão na entrada e o queijo de coalho bem assado com mel de engenho na sobremesa. Otília comandava as garçonetes, que usavam batas cor-de-rosa lmoço, numa interação de olhares, e assim tudo acontecia num ritmo acelerado para atender todas as mesas, num comando de matriarca que queria bem alimentar todos. Toda a equipe do restaurante, na cozinha e no salão, era feminina,

Se a cozinha é a alma do lugar, um território quase secreto das receitas, certamente, Otília mantinha os melhores segredos de cada receita, que eram cerimonialmente realizadas na cozinha, lugar sagrado. Antes das comidas serem servidas, Otília provava de todas as panelas, para só então as comidas serem servidas no ambiente efervescente do restaurante.

As paredes eram repletas de fotos clientes como se fossem verdadeiros troféus da vida do restaurante. Como o presidente Juscelino Kubitschek, Gilberto Freyre, Mauro Mota, Miguel Arraes, Ariano Suassuna, Marcos Freire, Liberato Costa Júnior, Joezil Barros, Augusto Lucena,

Recordo de um fato que me ligou o restaurante. Numa das suas campanhas a presidente que não ganhou, tive a oportunidade de entrevistar Lula na TV Rádio Clube. Foi na hora do almoço e saímos do estúdio na Cruz Cabugá para o "Buraco da Otília, que ficava pertinho. João Paulo, nos acompanhou. O presidente, recordo bem, pediu logo uma "lapada de Pitú". Por muitos anos, ele não escondeu sua predileção pela bebida, que agora, pelo que tenho lido, está proibido de tomar. Depois, como bom pernambucano, é claro, comeu a irresistível galinha de cabidela, servida pessoalmente por Otília.

Otília morreu em 1976. O restaurante ainda funcionou alguns anos, arrendado pelas funcionárias da casa, mas não resistiu à perda da dona, que reinava na casa como uma verdadeira rainha.

 

João Alberto Martins Sobral , editor da coluna João Alberto no Social 1

 

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