A crise fiscal e a modulação de efeitos das decisões judiciais
Os Tribunais Superiores podem passar a adotar como marco da modulação de efeitos a data do reconhecimento da afetação dos recursos
Os Tribunais Superiores possuem a faculdade de restringir os efeitos de uma decisão no tempo, caso entenda que sua eficácia imediata poderá trazer consequências negativas à sociedade, para decidir que aquela decisão só produzirá efeitos a partir de um determinado marco temporal a ser fixado. Trata-se da chamada modulação de efeitos das decisões judiciais.
Apesar de se tratar de instrumento criado para ser utilizado em situações excepcionais – tanto é que depende da aprovação de dois terços dos membros do Tribunal e da constatação de razões “de segurança jurídica” ou “excepcional interesse social” – nos últimos anos, tornou-se perceptível que a modulação de efeitos das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores tem sido cada vez mais utilizada, inclusive e principalmente, nas ações que envolvem matéria tributária.
Mais recentemente, em 12/06/2024, no julgamento dos Embargos de Declaração opostos no Recurso Extraordinário de n° 1.072.485 (Tema nº 985 do STF), que validou a incidência de contribuições previdenciárias sobre o terço constitucional de férias, o Procurador da Fazenda Nacional afirmou que até a data do reconhecimento da repercussão geral do tema pelo STF, havia 5 mil ações ajuizadas questionando a referida tributação e, que, após essa data, teriam sido ajuizadas mais 8,3 mil ações, superando o número de 13 mil processos sobre o tema
Na ocasião, a PGFN pleiteou que fosse adotado como marco da modulação de efeitos a data do reconhecimento da afetação do recurso paradigmático na sistemática da repercussão geral, que ocorre quando o Tribunal entende que o tema discutido no processo possui relevância ímpar que vai além do interesse das partes envolvidas, seja do ponto de vista econômico, social, político ou jurídico.
Apesar de não ter acolhido o pleito da PGFN, o Ministro Roberto Barroso afirmou que o ponto levantado pela Procuradoria da Fazenda é relevante em virtude do que denominou de “litigiosidade superveniente ao reconhecimento da repercussão geral”. Na ocasião, o Ministro propôs que o colegiado refletisse sobre o tema para os próximos julgamentos.
Posteriormente, em 20/06/2024, a mesma discussão ocorreu no Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando do julgamento do Tema nº 1190 dos Recursos Repetitivos.
O que mais preocupa em relação a esse debate que está se iniciando nos Tribunais Superiores, além da ausência de homogeneidade acerca do critério do marco temporal estabelecido para que a decisão produza efeitos, é que o legítimo direito dos contribuintes de acessarem o judiciário não pode servir de fundamento para restringir – ou até mesmo inviabilizar – a recuperação de tributos indevidamente recolhidos ao longo de muitos anos.
Isso porque, caso se adote a data da afetação dos recursos como marco temporal da modulação de efeitos, o contribuinte poderá ser duplamente penalizado. Primeiro, pelo recolhimento indevido de tributos ao longo dos anos e, depois, pela ineficácia de eventual provimento jurisdicional favorável, a depender do momento em que iniciada a discussão no judiciário.
Não é demais lembrar que, nos casos envolvendo matéria tributária, a modulação de efeitos já vem sendo usada, em grande parte, para salvaguardar efeitos danosos aos cofres públicos. Isso se deve, possivelmente, ao quadro de agravamento das contas públicas e a situação de permanente crise fiscal.
O cenário deve servir de alerta aos contribuintes acerca do momento de iniciar as discussões no Judiciário, especialmente nesses momentos em que há intensa pressão do Governo Federal para aumentar a arrecadação, sob pena de terem inviabilizado o acesso à justiça pela ineficácia de eventual provimento jurisdicional favorável.
Carolina Coimbra e Daniela Marques são advogadas e sócias do Bushatsky & Marques Advogados.