Artigo de Priscila Lapa: A condição de vice
Na eleição de 2022, houve a presença de mulheres em 52% das chapas que disputaram os governos estaduais, mas a maioria expressiva na condição de vice
Um fenômeno já observado nos últimos ciclos eleitorais no Brasil é o aumento do número de mulheres na disputa, tanto para cargos do Executivo como do Legislativo. Em 2022, houve um aumento de candidaturas femininas, que representaram 33% do total de postulantes, de acordo com o TSE. Foram exatamente 211 candidatas a mais em relação à eleição de 2018, totalizando 9415 mulheres.
Quando nos debruçamos um pouco mais sobre as estatísticas, podemos extrair algumas percepções relevantes para compreender o fenômeno da sub-representação feminina e os movimentos adjacentes à pauta da mulher na política.
Ainda na eleição de 2022, houve a presença de mulheres em 52% das chapas que disputaram os governos estaduais, mas a maioria expressiva na condição de vice. Das 217 chapas, 37 foram encabeçadas por mulheres (17%).
Sem dúvidas, uma das variáveis explicativas para o aumento da presença de mulheres na competição foi a cota de 30% dos recursos do fundo eleitoral para candidatas femininas, instituída em 2018, após decisão do Supremo Tribunal Federal. Quatro anos depois, o repasse mínimo para mulheres foi objeto de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), aprovada em maio de 2022.
O raciocínio é simples: para ter mais recursos, é preciso compor a candidatura com mulheres. Entretanto, isso não significa investimento nas carreiras femininas na política. Na maioria dos casos, as mulheres ocupam posição secundária dentro dos governos e não têm participação ativa nas decisões relevantes. Muitas delas tornam-se invisíveis após o período eleitoral.
Em outubro próximo teremos mais uma vez a oportunidade de elegermos nossos representantes nas Câmaras Municipais e para chefiar nossas cidades. O desenho da disputa está em pleno curso e é provável que, mais uma vez, tenhamos muitas mulheres ocupando o posto de vice.
Entre as eleições municipais de 2016 e 2020, a parcela de candidaturas de mulheres ao cargo de vice-prefeita cresceu 21%, conforme os dados do TSE. O número de eleitas, automaticamente, também ampliou: em 2016, 834 mulheres se tornaram vice-prefeitas; em 2020, saltou para 927, representando um aumento de 11%. Os dados da Justiça Eleitoral mostram que as chapas formadas somente por mulheres corresponderam a pouco mais de 2% do total das registradas em 2020.
Naquele ano, foram eleitas 658 prefeitas (11,9%). Em Pernambuco, tivemos apenas 99 candidatas, mas foi verificado um aumento no número de eleitas: de 17 para 26, no universo de 184 municípios. Os obstáculos são imensos para que essa realidade seja alterada instantaneamente; o ciclo de quatro anos é muito curto para que tenhamos resultados expressivamente diferentes em 2024.
Diz o ditado popular que a escolha do vice deve levar em conta o que ele pode agregar à chapa, tanto em recursos políticos quanto financeiros. Parece que pela via dos recursos financeiros “carimbados” já começamos a evoluir. Resta agora fortalecer a via política, a única capaz de, verdadeiramente, transformar a coletividade.
Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política.