Prédios-caixão: uma crônica de descaso e a busca por justiça em Pernambuco

A gravidade da situação é evidenciada pelo histórico devastador de desabamentos. Entre 1977 a 2004, 12 edifícios desabaram no Grande Recife

Publicado em 31/07/2024 às 10:47

O estado de Pernambuco, particularmente a Região Metropolitana do Recife, enfrenta uma crise habitacional de proporções alarmantes, potencializada com o colapso de dezenas de prédios-caixão no Recife, Jaboatão dos Guararapes, Olinda e Paulista. Essa tragédia em câmera lenta, que se desenrola há décadas, é um testemunho gritante do descaso com a segurança e a qualidade das construções, expondo milhares de famílias a riscos inaceitáveis e gerando clima de medo e incerteza generalizado.

A gravidade da situação é evidenciada pelo histórico devastador de desabamentos. De acordo com estudo realizado sobre o tema, entre 1977 a 2004, 12 edifícios desabaram no Grande Recife, provocando a morte de mais de 30 pessoas e ferimentos em dezenas de moradores. A triste série de colapso das edificações começou em julho de 1977 com o desabamento do Edifício Giselle, em Jaboatão dos Guararapes.

Os casos se sucederam ao longo dos anos, incluindo o Edifício Aquarela, também em Jaboatão dos Guararapes, que afundou e posteriormente desabou 20 anos após a primeira ocorrência. Dois anos depois, em novembro de 1999, o Éricka, localizado nos Bultrins, em Olinda, também colapsou, deixando mortos e feridos. Seis semanas após esse desmoronamento foi a vez do Edifício Enseada de Serrambi, no mesmo bairro olindense. Por fim, em 2004, veio abaixo o Areia Branca, localizado na Praia de Piedade, marcando o último caso deste período estudado.

Duas décadas depois, a situação permanece crítica. O estudo mencionado revela que, apenas no município de Olinda, há cerca de 60 prédios interditados por risco de desabamento. É um dado alarmante que sublinha a urgência de uma intervenção drástica e eficaz por parte do poder público.

A gênese dessa crise remonta à expansão urbana desenfreada no Grande Recife, impulsionada pelo boom da construção civil. O que inicialmente se apresentava como solução para o déficit habitacional, rapidamente se transformou num grande pesadelo urbano. Programas habitacionais federais, embora bem-intencionados, foram explorados por construtoras sem a devida fiscalização da obra, resultando em edificações que mais se assemelharam a armadilhas mortais do que a lares.

A construção desenfreada de prédios-caixão resultou no surgimento de uma teia complexa de negligência, ganância e corrupção. O uso de materiais de baixa qualidade, a ausência de fiscalização adequada e denúncias de desvio de recursos públicos foram protagonistas de uma das piores tragédias da história de Pernambuco. A falta de manutenção subsequente apenas acelerou o processo de deterioração que estava programado desde o início dos projetos habitacionais.

Diante do cenário catastrófico, o acordo firmado em 2024 entre o Governo do Estado, o Tribunal de Justiça de Pernambuco, o Tribunal Regional Federal e a Caixa Econômica Federal surge como uma tentativa coletiva de remediar anos de negligência. Contudo, é crucial enfatizar que o acordo, embora represente um passo na direção correta, está longe de ser solução definitiva ou justa para todas as famílias afetados. Lembrando que não é um ato compulsório, é facultativo para o mutuário que desejar aderir.

Além disso, é fundamental que se faça uma análise criteriosa da proposta ofertada, considerando que foi estimado valor máximo de R$ 120.000,00 para indenização dos mutuários. Mas o teto acordado, entretanto, não será o valor aplicado para todos, ponderando que será estimado cada caso de forma específica pelos órgãos que gerem o processo.

É neste ponto que a busca por uma assessoria jurídica qualificada se torna não apenas recomendável, mas absolutamente essencial. Cada família afetada tem uma história única, com circunstâncias particulares que podem influenciar significativamente seus direitos e as compensações a que fazem jus.

Os mutuários prejudicados devem estar cientes de que o acordo proposto, embora aparentemente atraente por oferecer solução rápida, pode não contemplar adequadamente a extensão total dos estragos provocados na vida dessas pessoas. Questões como danos morais, perdas materiais além do valor do imóvel, e até mesmo problemas de saúde decorrentes do estresse e da exposição a condições insalubres podem e devem ser considerados em uma negociação ou ação judicial.

A complexidade legal e técnica envolvida nesses casos não pode ser subestimada. Questões como responsabilidade civil, prazos prescricionais e a possibilidade de ações coletivas versus individuais são aspectos que requerem análise jurídica aprofundada. Ademais, a coleta e a preservação de evidências são fundamentais para embasar qualquer reivindicação. São elementos que um profissional experiente saberá conduzir de maneira adequada.

A tragédia dos prédios-caixão em Pernambuco é um capítulo sombrio da história do desenvolvimento urbano brasileiro, expondo falhas sistêmicas na fiscalização, execução e manutenção de habitações. Enquanto o poder público busca soluções abrangentes, é necessário que cada família afetada procure orientação jurídica antes de aceitar o que foi proposto. Somente assim poderão navegar com segurança por esse complexo cenário legal e assegurar que seus direitos sejam plenamente respeitados e perdas adequadamente compensadas.

A luta por justiça e reparação não é apenas uma questão individual, mas um imperativo social. Cada ação bem-sucedida, cada indenização justa, cada família adequadamente realocada serve para reparar danos passados e para estabelecer precedentes, pressionando por mudanças significativas que previnam futuras tragédias.

• Celina Pessoa de Mello é advogada especialista em direito imobiliário e presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/Olinda

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