Educação Comunitária: a comunidade é a grande escola
A Educação Comunitária utiliza todos os ensinamentos disponíveis na comunidade para conectar às pessoas com as mais diversas teias do conhecimento.
O mundo tornou-se mais complexo e exigente. A humanidade produz, continuamente, um volume cada vez maior de informações, impossíveis de serem retidas e mudam rapidamente. O filósofo francês radicado no Canadá, Pierre Lévy acredita que, com o advento das novas tecnologias, o conhecimento torna-se uma rede de vasos comunicantes e interativos. Essa nova dinâmica reforça a importância de se aprender a "navegar" e não a "estocar" informações. A navegação como processo de aprendizagem rompe a linearidade, favorece a atitude exploratória, lúdica e o conhecimento está em toda parte. Seu compartilhamento extrapola o universo acadêmico, sendo uma aventura prazerosa, marcada pela cooperação e pela inteligência coletiva.
Saberes importantes são gerados no cotidiano dos cidadãos, das empresas, em ambientes formais e não formais. São inúmeros os potenciais educativos. Aprende-se em bibliotecas, museus, teatros, parques, feiras, academias de letras e de ciências, templos religiosos, coworkings, escolas, centros de convenção, centros comunitários, clubes sociais e esportivos, restaurantes, livrarias, shopping centers, cinemas, galerias de arte, fábricas, oficinas, instituições públicas. É um modelo de educação comunitária que busca transformar vários espaços de uma comunidade em centros de aprendizagem.
É uma invasão planejada, que pode ser articulada e coordenada pela prefeitura do município em estreita parceria com toda a população. É um olhar sobre a educação, em que a educação não se restringe à escola. A escola está contida na educação. Surge uma forma de pensar e fazer educação, envolvendo múltiplos espaços e atores, que se estruturam em rede, com gestão participativa. O currículo é uma grande trilha, ao longo do qual se vivenciam experiências e descobertas. É um projeto de cidade que gera autonomia, cooperação, contribui para o desenvolvimento local, fortalece simultaneamente o capital humano e o capital social. Transforma o processo de formação de cidadãos tornando-os conscientes, participativos, capazes de melhorar a sua própria realidade, da sua comunidade, e do mundo.
O desenvolvimento das pessoas, requisito essencial para o desenvolvimento da sociedade, demanda a colaboração de múltiplos atores. Sob essa perspectiva, não cabe apenas à escola tradicional a tarefa de educar. A comunidade é a grande escola, o Hub educacional. Os estudantes podem aprender física nas oficinas de veículos e nas indústrias, literatura na biblioteca, química na cozinha de um restaurante, história nos museus e nas praças e ruas, artes nos teatros, ateliês e cinemas, empreendedorismo e finanças nos negócios empresariais. Cultiva-se valores com o envolvimento dos estudantes em campanhas comunitárias com fins de melhorar a sociedade, o meio ambiente.
A viabilização do Hub requer identificação das oportunidades de aprendizagem, mapeá-las, incentivando a construção de parcerias, criando-se redes colaborativas e trilhas educativas, possibilitando assim que os estudantes adquiram conhecimentos, que façam sentido para suas vidas, a toda hora e em todo lugar, por meio de observações e experiências no mundo real. Dessa forma, desenvolvem autonomia e responsabilidade, saibam fazer escolhas, continuem aprendendo ao longo da vida e utilizem os conhecimentos adquiridos para se realizar como pessoas, profissionais e cidadãos. Trata-se de uma educação capaz de promover a formação integral e preparar os indivíduos para serem agentes do seu próprio desenvolvimento e do desenvolvimento local. Conceitua-se como Educação comunitária.
Sintoniza com o pensamento do filósofo americano John Dewey, que, no final do século XIX, já baseava suas propostas educacionais na idéia de que a escola é a vida e não apenas uma preparação para ela. Ao idealizar a "Pedagogia de Projetos", o pensador buscou entrelaçar o aprender ao fazer, acreditando que o pensamento é estimulado quando as pessoas têm a oportunidade de agir concretamente para resolver problemas. Dewey propunha que os conteúdos escolares fossem abordados de forma menos acadêmica e mais centrada nas situações do cotidiano, principalmente, por acreditar que as potencialidades individuais só se desenvolvem realmente quando em contato com a sociedade.
Impregnada por esses ideais, a Educação Comunitária utiliza todos os ensinamentos disponíveis na comunidade para conectar às pessoas com as mais diversas teias do conhecimento. A ação em rede fomenta a cooperação, oportuniza a gestão participativa e democratiza o poder. A troca entre diferentes atores cria pontes entre as gerações, gera vínculos afetivos e produtivos e amplia a capacidade de diálogo. Ao valorizar e socializar os potenciais da comunidade, esse modelo educacional também conscientiza que os bens públicos não são do governo, mas de toda a população e, portanto, devem ser acessados e cuidados por todos. O processo muda a cara da comunidade, fortalecendo a capacidade da comunidade em promover seu próprio desenvolvimento com sustentabilidade.
Eduardo Carvalho, Harvard University fellow