Artigo de Gustavo Henrique: "Liberdade de expressão e competição eleitoral"
Nas rádios e TV’s, candidatos entrarão nos lares com suas auto-apresentações de 30/8 a 3/10. E o tema da liberdade de expressão ressurge
Foi dada a largada para a corrida às Prefeituras e Vereanças. Pelo calendário regulamentar (TSE, Resolução 23.738/2024), banners e meios análogos expositivos estão liberados desde 16/8. Nas rádios e TV’s, candidatos entrarão nos lares com suas auto-apresentações de 30/8 a 3/10. E o tema da liberdade de expressão ressurge sob os holofotes, ainda que nem sempre explorado de maneira honesta.
Ao contrário do que alguns acreditam, a propaganda política não é um “spin-off” da série de animação da década de 60 “Wacky Races”, com o vilão Dick Vigarista a inventar as maiores engendrações para vencer. Não. Sobrepõe-se o interesse público.
Afastada a serpente peçonhenta da censura prévia, não significa que a Constituição assinou um cheque não nominal para que candidaturas inundem o eleitorado com o conteúdo que quiserem, no tom que quiserem, e a sociedade que se vire para fazer suas escolhas, como quem é atirado aos leões.
As palavras, afinal, conseguem enganar e até ferir tanto quanto projéteis e facas. O “mudslinging” (ou arremesso de lama, que são as peças publicitárias com ataques pessoais) no candidato opositor não é fazer campanha.
Eleição sob o Sol da democracia não é terra de ninguém
A liberdade de expressão produz a fórmula que garante o espaço a um debate público fértil, a irrigar de nutrientes a árvore democrata, possibilitando o contraponto, a crítica, a reflexão, a construção coletiva.
Com isso, a escolha madura pelo titular do poder, que é o povo. Não é só um detalhe: a liberdade de expressão pressupõe responsabilidade.
Quando, por exemplo, julgou em 2020 a ADPF 548, o STF assentou a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 24 e 37 da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições) que conduzisse a atos judiciais ou a atos administrativos que permitissem a entrada de agentes públicos em universidades, recolhimento de documentos, interrupção de atividades docentes, coleta de depoimentos etc. E assim o fez sob a (lúcida) compreensão de que as universidades são espaços por excelência para o exercitar de tais liberdades públicas.
Mesmo diante de paradigmas dessa envergadura e coragem, para quem se devota de forma carola a achar somente defeitos na atividade do Supremo, até estes admitem um relevo à parte à liberdade de expressão, não a tratando como sub-direito.
O distinguishing, todavia, se assenta aí: entre quem percebe dita garantia por aquilo que ela é historicamente e quem a manipula para que ela se torne outra coisa, impondo-lhe uma harmonização facial que a deixa irreconhecível e desfigurada.
É missão do legislador viabilizar o ambiente de engajamento para um nível mínimo de honradez às competições eleitorais. Teorias da conspiração, mentiras, calúnias, baixarias não podem vicejar. Nem seguir a render direitos de resposta e judicializações sem fio, quando, na prática, isso não adianta grande coisa para as eleições subsequentes.
Vale desde a escolha de um síndico à do Presidente da República. Candidatos bem intencionados precisam focar em ideias e lembrar que o interesse das pessoas é na melhoria dos serviços públicos e não em vaidades individuais ou guerra de dossiês.
Entender que as fake news são uma praga e que urge combatê-la, assim como que candidato que faz juras de amor eterno à Constituição e à democracia, mas, na prática, age para sabotá-la, ou envenená-la, não merece votos; não merece, aliás, nem disputar.
Em entrevista à revista eletrônica CONJUR (21/8), o ex-Ministro do STF Ayres Britto realçou com a habitual astúcia: “A liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade, porém, nos marcos e nas coordenadas da democracia. Democracia é o princípio continente, o princípio conteúdo, o princípio invólucro de tudo”. Mais claro que isso, impossível.
Concluo com trecho da música de 2008 “Sem medo da escuridão”, da banda Charlie Brown Jr, pela perfeita síntese que se mantêm atual: “Liberdade de expressão é um direito, mas em vez de falar, então faça algo que preste”. Tollitur quaestio. Depois, será tarde para queixar-se, mesmo ao arquiteto do Universo. Lembremo-nos: o futuro é um desafio designado a cada um de nós. Não dá para “passar o ponto” adiante.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado