O impeachment de Alexandre de Moraes

Do ponto de vista jurídico-político, o pedido de impeachment não passa de uma revanche contra o Supremo Tribunal Federal, o STF....

Publicado em 12/09/2024 às 0:00 | Atualizado em 12/09/2024 às 7:02

Nos 202 (duzentos e dois) anos da independência do Brasil, até hoje, jamais um ministro da Suprema Corte foi despojado do cargo pelo impeachment. Durante a ditadura militar (1964/1986), entretanto, vários juízes do Supremo Tribunal Federal foram exonerados da magistratura - Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes, por exemplo - com base em atos institucionais editados pelo regime militar, ademais esses atos normativos, na época, vigoravam com força de emendas constitucionais, mesmo que não houvesse discussão e nem aprovação pelo Parlamento brasileiro.

Com a Constituição Federal de 1988, que findou de vez com o regime autoritário, os ministros da Suprema Corte, demais magistrados e membros do Ministério Público do país, passaram a gozar das garantias individuais imprescindíveis para o exercício da relevante função: a) vitaliciedade, que significa a proibição da perda do cargo, exceto por expressa sentença judicial transitada em julgado ou por decisão definitiva do Conselho Nacional de Justiça; b) anamovibilidade, que é a vedação de transferência de jurisdição, exceto por interesse público; e, c) irredutibilidade dos seus subsídios, que não podem ser reduzidos. Pela Carta de 1988, porém, os ministros do Supremo Tribunal Federal não estão submissos às determinações do Conselho Nacional de Justiça, como acontece com os demais órgãos do Poder Judiciário. Como guardião exclusivo da Constituição e como órgão maior do Poder Judiciário brasileiro, é essencialmente necessário que esse privilégio constitucional seja outorgado à Suprema Corte.

Isso não significa, contudo, que um ministro do STF não possa incidir na prática do crime de responsabilidade, com a consequente perda do cargo, exigindo-se uma decisão das duas Casas do Congresso Nacional, de natureza eminentemente política, cuja procedência da acusação no Senado Federal dependerá do voto de 2/3 (dois terços) dos seus senadores e, na Câmara dos Deputados, pelo voto aberto da maioria absoluta dos seus membros.

De conformidade com o art. 12, da Lei Federal nº 1.079/1950, pratica o crime de responsabilidade, sujeito ao impeachment, o ministro do STF que: a) alterar, por qualquer forma, exceto por via recursal, a decisão ou voto já proferido em sessão do Tribunal; b) proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa; c) exercer atividade político-partidária); d) ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo; e, finalmente, e) proceder de modo incompatível com a honra, dignidade ou decoro nas suas funções.

Recentemente, parlamentares de extrema direita entregaram ao presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco, um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, alegando a sua suspeição, a sua prática político-partidária e a sua incompatibilidade para o exercício das suas funções. Ora, quem referendou o nome do ministro para o cargo foi o plenário do Senado Federal; a suspeição de qualquer magistrado só pode ser declarada pelo próprio juiz ou pelo voto da maioria dos 11 (onze) ministros que formam o pleno do STF e, por fim, a atividade político-partidária que depende, unicamente, da sua filiação, no exercício do cargo, a determinado Partido Político, o que jamais aconteceu. Trata-se, com efeito, de um princípio processual que só pode ser decidido na via judicial e não política.

Em verdade, tudo começou com a edição da Portaria nº 69, de 14.03.2019, quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal, com base no art. 43 do seu Regimento Interno, instaurou o Inquérito nº 4.781 e nomeou o ministro Alexandre de Moraes como relator de uma investigação interna que pudesse apurar, junto com a Procuradoria Geral da República e com a Polícia Federal, todos os atos e atrocidades praticadas contra o Estado Democrático de Direito.

Desde o início do processo eleitoral (2018/2022), muitos integrantes da extrema direita, mormente pelas redes sociais, passaram a tecer desfundadas críticas ao sistema eletrônico de votação, inclusive tratando as urnas eletrônicas como fraude eleitoral, sem nenhuma prova da sua ineficiência; em 7 de setembro de 2022, em plena Av. Paulista, em São Paulo, publicamente, o então presidente da República esbravejou: "a partir de hoje não cumpro mais qualquer ordem judicial de Alexandre de Moraes"; em 8 de janeiro de 2023, extremistas praticamente destruíram os símbolos maiores dos Três Poderes da República, os edifícios-sedes do Congresso Nacional, Palácio do Planalto e a majestosa edificação onde funciona o Supremo Tribunal Federal.

Desde então, o Inquérito 4.781 vem apurando todos os fatos contrários à Democracia, que são muitos, sendo certo que nenhuma decisão isolada do ministro Alexandre de Moraes, ao longo da investigação, deixou de ser homologada pelo colegiado do STF. Portanto, do ponto de vista jurídico-político, o pedido de impeachment não passa de uma revanche contra o Supremo Tribunal Federal, que jamais abriu mão da sua missão maior: guardar a Constituição e preservar o Estado Democrático de Direito.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, coordenador e professor da pós-graduação em Ciências Criminais na Faculdade Vale do Pajéu, doutor e mestre em Direito de Execução Penal

 

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