O IDEB e o conto da escola para elefantes
O Índice não considera os esforços e os contextos locais e pouco colabora para a construção de uma política de melhoramento das escolas...
Conhecemos o conto infantil de um filhote de elefante que é preso por uma simples corda a uma estaca fincada no chão, o que leva o animal a tentar insistentemente se libertar, até reconhecer que não possui força suficiente para isso. Assim o animal cresce sem oferecer resistência, e quando adulto, desconhece a sua capacidade, pois fora condicionado a pensar que é impossível romper as amarras.
Desde 2007, com a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, algumas redes e unidades de ensino adotaram a estratégia do condicionamento, quando assumiram uma competição arraigada com base no ranqueamento indevidamente estabelecido a partir da divulgação do Índice. Nesse esforço descabido, a busca pelo prêmio suprimiu o sentido da ação avaliada e o resultado do processo suplantou o próprio processo.
Nesses anos, surgiram muitas contestações ao formato do instrumento e ao método, com críticas voltadas: a) ao modelo de prova, com questões de múltipla escolha e tratamento meramente quantitativo dos dados, o que não permite a real compreensão da realidade escolar por não ter elementos capazes de colher informações qualitativas sobre a educação básica; b) à manipulação dos dados, como a omissão das evasões e das retenções; c) à segregação das crianças, que são agrupadas em turmas hierarquizadas (exemplo: ouro, prata e bronze), com a exaltação das primeiras colocadas e a discriminação das últimas; d) aos interesses de propaganda dos governos locais, que limitam o exercício da docência à preparação para os testes, reduzindo a prática pedagógica à estrutura de compromisso produtivo, acompanhada da reprodução de uma cultura de responsabilização, resultando no adoecimento docente; e) aos esforços centrados em matemática e língua portuguesa na preparação para a avaliação externa, desprezando os conteúdos de outros componentes curriculares (história, geografia, ciências, artes e educação física); e f) às violações ao pressuposto da aleatoriedade da amostragem, que fundamenta a confiabilidade da generalização estatística, tornando os resultados sem validade para referenciar a educação como um todo, visto que diversas unidades enviesam a amostra.
Avaliar significa aferir e conhecer determinado fato, situação ou circunstância para, através do seu resultado, empreender certas ações propositivas no sentido de corrigir ou alterar o que se avaliou. Por isso, avaliar uma escola ou uma rede de ensino, o seu sistema de funcionamento, a capacidade do seu corpo docente e o desempenho dos seus estudantes pressupõe uma proposta de melhoria ou aperfeiçoamento dessa mesma unidade avaliada.
Não é o que tem acontecido. O Índice não considera os esforços e os contextos locais e pouco colabora para a construção de uma política de melhoramento das escolas, apenas tornando pública a simples classificação, mostrando a fragilidade das unidades deficitárias, geralmente suburbanas e rurais, o que tem produzido nessas instituições periféricas uma grave desmobilização dos professores. Os testes padronizados são instrumentos apropriados de monitoramento, desde que sirvam de referencial à realidade observada. Entretanto o Índice desconsidera as questões exógenas que interferem na vida dos discentes, como os fatores socioeconômicos e o capital cultural, bem como não leva em conta as questões endógenas que influenciam o trabalho docente, como a quantidade de alunos por turma e a carga horária de aula.
Os sistemas de ensino precisam da avaliação formativa, difundida por Perrenoud, que permite aos estudantes, professores e gestores a identificação de falhas para ajudá-los a corrigi-las. Nessa linha de pensamento, a avaliação deve ser compreendida como mais um processo de aprendizagem e não um mero instrumento de medida. Assim, só por meio da reflexão sobre o sentido do trabalho avaliativo realizado é que se pode vislumbrar ações de melhoria e desenvolvimento do ensino. Isso significa dizer que uma avaliação realizada dificilmente proporcionará oportunidades de desenvolvimento escolar, caso não sejam consideradas as informações sobre uma situação real.
Assim como o condicionamento exercido sobre o pequeno elefante o levou ao conformismo e à aceitação, nossos gestores, professores e estudantes caíram no risco da acomodação às amarras de um modelo avaliativo equivocado, que coloca o Índice como se fosse ele próprio a meta da educação. Por isso apelamos à reformulação do IDEB, torcendo para que fique claro que o papel do estudante não é fazer testes, a função do professor não é preparar os alunos para isso, e que na escola vale a máxima: deve-se estudar para a vida e não para a prova. Nesse sentido, aguardamos por um novo Índice e que nele a educação seja promovida e incentivada visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (CF/88, art. 205).
Erinaldo Ferreira do Carmo, professor da UFPE.
Carlos Alberto de Vasconcelos, professor da UFS.