A política não é fácil
A política deveria ser um ambiente de líderes preparados e sintonizados com as necessidades da população, mas não é o caso do Brasil.
O político é, ou deve ser, um agente de transformação, superação e organização dos problemas coletivos. A sociedade precisa deles para vencer as diferenças, definindo a forma de governo, os interesses a serem contemplados no orçamento e as formas de resolução de conflitos. É um conceito bem raso e apressado de política, mas é fundamentalmente do que se trata. Ora, fazer política não é fácil. Exige boa dose de idealismo, renúncia a propósitos pessoais, disposição para o diálogo, tolerância. O político precisa ser estudioso e bom conhecedor dos problemas da coletividade, donde se exigir também um nível importante de conhecimento geral e, em algumas situações, conhecimento especializado da matéria. A política deveria ser um ambiente de líderes preparados e sintonizados com as necessidades da população, portanto. Obviamente, não é o caso do Brasil.
A perspectiva aqui é tentar saber por que deixamos de escolher líderes com tais atributos, e damos valor ao que de pior existe na natureza humana. Mais do que isso, a sociedade não escolhe líderes a partir da discussão de projetos, mas de variados fatores, entre os quais a popularidade, adquirida em ambiente fora da política, a capacidade de criar factoides, inventar mentiras, agredir adversários, nunca, mas nunca mesmo, em função de propostas. Minha hipótese é a de que não queremos fazer política, exatamente porque não é fácil, dá muito trabalho. Em um mundo cada vez mais diverso, encontramos dificuldades enormes de organização das ideias e não temos paciência com o outro que pensa diferente, e que também não tem caminho fácil na identificação correta de suas aspirações. É mais fácil engrossar a torcida, xingar, agredir. Tudo facilitado pelas redes sociais, é claro. Mas não é um problema que tenha nascido com as redes. Há muito deixamos a política para os políticos profissionais, os marqueteiros, a mídia. Não é preciso ir muito longe, basta lembrar a eleição de Collor. É como se disséssemos: não é conosco, não me interessa. E, como me obrigam a votar, o que já é ruim, deixo-me levar pela onda mais forte, escolhendo a personalidade mais conhecida pelo bom ou pelo ruim, de modo que a eleição é uma disputa de publicidade para meu instinto.
A sociedade brasileira não tem vontade (será vocação?) de discutir política no sentido de analisar projetos. E aqueles políticos no poder adoram esse desinteresse, estimulando a briga entre o cordão vermelho e o azul. Enquanto dormimos, ou manifestamos, com a omissão de conduta cívica cotidiana, absoluto descaso com a política, eles trabalham pela manutenção do status quo, drenando o dinheiro do país para seus cada vez mais folgados bolsos. O fenômeno, de resto, é mundial. Nas eleições americanas, o apoio da cantora Taylor Swift a Kamala Harris foi recebido com entusiasmo. Para muitos, tem um significado maior do que o próprio desempenho de Kamala no debate contra Trump. O que vemos, então, mundo afora e aqui é a política perdendo importância.
Por que me vêm todas essas reflexões agora, e estou importunando o leitor com assunto que, aparentemente, é comezinho? Primeiro, porque é muito relevante que acordemos como sociedade, e se tenho espaço, cabe-me falar. Segundo, porque o país inteiro assistiu chocado à cadeirada de Datena em Marçal. É para ficar chocado, antes, na mesma medida, com o nível das agressões de Marçal: ali temos, na prática, tudo o que mencionei acima, a falta de projetos, xingamentos e agressões em uma eleição para prefeito da maior metrópole do país. Não é um fato isolado, outro dia, um candidato a prefeito em Teresina agrediu com um murro o oponente também em pleno debate. São essas coisas que têm chamado a atenção do eleitor, é assim, alguma coisa diferente aqui, outra ali, mas é sempre o protagonismo das peculiaridades e da personalidade do candidato, em um contexto que tem de tudo, menos política. Não é mais a tribuna que importa, é a cadeira.
João Humberto Martorelli, advogado