O Nobel feminino de Economia

Doutora pela Universidade de Chicago, professora de de Harvard, uma extensa obra de pesquisas e artigos colocam Claudia Goldin na vanguarda.

Publicado em 29/09/2024 às 0:00 | Atualizado em 29/09/2024 às 9:00

No dia nove de outubro de 2024, completa o primeiro ano em que a Real Academia Sueca de Ciências anunciou Claudia Goldin (14/6/1946) como Prêmio Nobel de Economia, primeira mulher a receber, isoladamente, a láurea em 55 anos de existência (Elinor Ostrom compartilhara com Oliver Williamson - 2009 e Esther Duflo, premiada juntamente com Michael Kremer e Abhijit Banerjee - 2019).

Doutora pela Universidade de Chicago, professora da Universidade de Harvard, uma extensa obra de pesquisas e artigos colocam Goldin na vanguarda das contribuições para a ciência econômica com "grandes ideias para mudanças de longo prazo".

Ao profundar os estudos de "mudanças de longo prazo", a Professora expõe um dos mais complexos desafios, pondo frente a frente o que deveria estar sempre lado a lado - o Gênero - na busca de uma produtiva convergência como base da sociedade e como força de trabalho em benefício de um progresso sólido e crescente. Trata-se da análise da história econômica das mulheres no mercado de trabalho em que afloram, além das desigualdade de gênero, potencialmente conflituosas e, mais gravemente, afetam decisões diante de rumos a serem tomadas com sérios impactos sobre o horizonte das pessoas e das famílias.

O Nobel conquistado é um produto do altíssimo valor acadêmico e estratégico, gestado em estudos, durante três décadas, reunidos no conteúdo do livro lançado em 03/9/24, Carreira e Família - A jornada de gerações de mulheres rumo à equidade (Ed. Schwartz S.A. São Paulo).

As valiosas lições vêm da perspectiva histórica que alimenta o tema central. Parte foi escrita sob o impacto da pandemia e todo percurso revela as dimensões sócio-políticas que recaem sobre o trabalho feminino nas palavras da autora: "As barreiras ao casamento - leis e política empresariais que restringiam o emprego de mulheres casadas aumentaram desenfreadamente até os anos 1940".

O campo dos estudos é a sociedade americana (a autora compilou 155 movimentos críticos na história dos direitos das mulheres de 1905 a 2023, dos quais 45% ocorreram entre 1963 e 1973). Neste sentido, a contribuição de Goldin é a percepção das conjunturas históricas que colocavam as mulheres no dilema entre a liberdade de trabalhar ou se dedicar à família face à dúvida provocativa: "Você se apoia num sofá ou numa credencial"?

A despeito da ruidosa luta das feministas, a cientista premiada dedica um capítulo ao que denomina "Revolução Silenciosa", a pílula anticoncepcional (aprovada pelo FDA em 1960), creditando a Margaret Sanger, pioneira do controle de natalidade, quando em 1916, abriu uma clínica de controle de natalidade no Brooklyn, confrontando com a lei estadual que proibia a disseminação de anticonceptivos.

A partir de então, a ciência oferecia uma das respostas concretas ao tema da liberdade e equidade de gênero, em especial, às linhas de pesquisas sobre a questão da desigualdade de gênero no mercado de trabalho com o suporte dos progressos científicos e o fortalecimento dos movimentos sociais que transformavam e ampliavam o papel político da mulher na sociedade patriarcal e sexista.

Por sua vez, as "ondas" das revoluções industriais, cada vez mais curtas e impactantes, bem como as mudanças institucionais, remodelaram a organização das famílias, a partir das antigas dúvidas que sombreavam o caminho a seguir: carreira ou família? Mãe e "profissional dos cuidados" no sofá ou credenciais cada vez mais exigentes e qualificadas"?

As respostas, a depender de padrões culturais e legais, estão sendo dadas seguidamente. As mulheres estão se habilitando a exercer qualquer emprego, apoiada nos investimentos em capital humano que a habilitaram a promover a "revolução silenciosa": entrar no mercado de trabalho: expandir e aperfeiçoar habilidades (liquidando a mentira proibitiva: "isto não é trabalho para mulher"); dispor de comprovadas soluções científicas capazes de possibilitar a fecundidade e o planejamento familiar; adotar, consensualmente, a própria identidade na relação entre trabalho e família.

Com efeito, a tecnologia mais prosaica, a exemplo da "babá eletrônica" que emite sinais inquietantes na dormida dos bebês, a automação dos utensílios domésticos e métodos sofisticados da "fertilização assistida", detonaram os arcaicos argumentos para justificar a desigualdade de gênero no trabalho. Não estão, porém, definitivamente derrotados. Subsistem, encravadas no arcabouço institucional, as "barreiras invisíveis" que se antepõem às mulheres ao tratamento igualitário no mercado do trabalho.

Sutilmente, as referidas "barreiras" são obstáculos ao tratamento equitativo de questões relativas à maternidade, à flexibilidade de horário e à ascensão funcional. Permanecem na agenda da luta política de gênero. Uma vez superadas "as diferenças" e consolidada a equidade trabalhista, o resultado será uma alocação eficiente de recursos e um maior e mais justo crescimento econômico.

Ao conquistar o Prêmio Nobel de Economia, Claudia Goldin não se consagra, apenas, como uma mulher de carreira brilhante: ela se insere e se destaca no grupo de "mulheres notáveis" que mudaram o curso da história, no caso, ao demonstrar que "carreira e família" são uma realidade factível na injustificada discriminação de gênero. Goldin é exemplo e fonte de inspiração de um permanente e coeso movimento universal que valoriza e fortalece a mulher frente à discriminação persistente e às perversas violências de gênero.

Curiosamente, no dia do anúncio da premiação, a Professora Claudia escreveu um primoroso artigo: "WHY WOMEN WON" (NBER, Working Paper No.31762) e, com objetividade e firmeza, escreveu: "Em termos de seus direitos, as mulheres venceram".

 

 Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco

 

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