O novo ou o velho disfarçado: de qual Ensino Médio estamos falando?

Esse novo ambiente exige novas habilidades e competências, e isso não casa com um sistema de ensino sedimentado no conteudismo e fragmentado

Publicado em 30/09/2024 às 8:24 | Atualizado em 30/09/2024 às 10:51

Em recente artigo intitulado Crise climática: mundo pode não ter mais volta e isso me apavora, o renomado cientista brasileiro Carlos Nobre revela que tudo o que se pensava que poderia acontecer daqui a algumas décadas está literalmente acontecendo agora! E conclui: as mudanças não são mais lineares, e sim exponenciais. Este é o retrato claro de um cenário profundamente disruptivo, de problemas cujas soluções serão, daqui por diante, cada vez mais complexas. A pergunta que precisamos responder é: como preparar nossos jovens para viver em tais circunstâncias de mudanças exponenciais e não mais lineares Ou ainda, o que isso tem a ver com o novo Ensino Médio e com a formação universitária desses jovens Simplesmente tudo!


Esse novo ambiente exige novas habilidades e competências, e isso não casa com um sistema de ensino sedimentado no conteudismo e fragmentado. O mundo precisa de jovens criativos, críticos e autônomos para tomar decisões assertivas de modo colaborativo, capazes de propor soluções por meio de uma aprendizagem baseada em problemas e em times. Caso contrário, esses jovens não estarão preparados para resolver desafios tão complexos como os que se configuram no cenário atual e futuro.Por isso mesmo o Ensino Médio precisa ser oferecido com base em quatro pilares: educação integral e em tempo integral, articulação com o mundo do trabalho, e uma estrutura diversificada e flexível.

É exatamente o que estava proposto na lei no 13.415/2017, e que, de certa maneira, teve sua espinha dorsal mantida na lei mais recente do ensino médio no 14.945/2024. Contudo, na promulgação pela presidência da república, esta versão de 2024 sofreu um grande baque, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), utilizado em muitas universidades como forma de ingresso, irá examinar apenas a parte comum, e não a parte diversificada (cerca de 600 horas por área do conhecimento) deste novo Ensino Médio. E aí temo que o “novo” fique apenas no papel, pois estaremos, de forma disfarçada, mantendo o esquema conteudista do antigo Ensino Médio. Este último procura dialogar com a velha e ultrapassada estrutura de caixinhas de pré e correquisitos do sistema universitário, que de cada 100 ingressantes apenas 41 concluem o curso, ou seja, 59 abandonam o sonho de ter um diploma.


Parte dessa perda decorre dos grandes déficits de aprendizagens que esses jovens trazem consigo já da sua formação básica. Para se ter uma ideia, abaixo de 450 pontos no ENEM tem-se um nível de aprendizagem em que não seria esperado conceder um certificado de conclusão ao estudante que finaliza o 3 ano do Ensino Médio. Mas, pasmem, de cada 100 jovens que ingressam nos cursos de Pedagogia no Brasil, cerca de 50 deles não conseguem alcançar tais 450 pontos, e mesmo assim estão fazendo o curso que vai formar os futuros professores deste país.


Retomando a exclusão da parte diversificada do novo Ensino Médio, isto será um incentivo às escolas particulares e públicas a preservar a velha estrutura conteudista de disciplinas, sem promover a interdisciplinaridade, além de não potencializar o projeto de vida do jovem. Todos serão tratados como se tivessem as mesmas necessidades, e isso não é verdade. Portanto, vamos continuar oferecendo uma escola de tamanho único para todos os jovens, mas esse modelo não cabe mais em tempos de mudanças exponenciais.

Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE.

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