Republicanismo escolar (I)
Essa atribuição individual tanto do sucesso, quanto do fracasso que faz parte da ideologia meritocrática um corpus cultural da sociedade burguesa.
Quando estamos falando de republicanismo e, sobretudo, republicanismo escolar, os primeiros nomes que apareces são, sem dúvida, os nomes de grandes iluministas que fizeram a Revolução Francesa e que ofereceram a base teórica, intelectual e cultural daquele evento, nomes como Voltaire, Diderot, D'Alembert, mas sobretudo o nome de Condorcet. O Barão de Condorcet, que terminou se suicidando em 1993 na própria prisão, por razões um pouco desconhecidas, apresentou em 1789 as chamadas "CINCO MEMÓRIAS SOBRE A INSTRUÇÃO PÚBLICA", em que ele fazia uma série de considerações, entre elas considerações da ordem do recrutamento dos professores, da sua qualificação, em que eles fossem funcionários de Estado, mas não professores de Governo (começa a aparecer, assim, uma distinção entre o funcionário de Estado e o funcionário de Governo).
Sobre a certificação (em que momento as pessoas estavam supostamente qualificadas), ele escreveu também naquelas "Cinco memórias", quais eram as gradações ou as graduações de conhecimento que a escola deveria oferecer, o que devia ser ministrado no primeiro ano, no segundo ano, no terceiro ano, etc; até que ele tivesse uma formação fundamental, que estava basicamente reduzida no tríptico republicano: LER, ESCREVER E CONTAR.
Voltaire dizia que "É melhor não ir muito além disso, do ler, escrever e contar, para que o povo muito instruído não faça exigências ao Estado que não podem ser cumpridas". Desde o início da Educação Pública, dos Sistemas Nacionais de Educação que já se colocava um limite sobre o que oferecer ao povo. Assim, a grande distinção que Condorcet vai fazer naquele modelo de escola republicana, é exatamente a distinção entre INSTRUÇÃO PÚBLICA e a EDUCAÇÃO NACIONAL.
A instrução pública era uma tarefa da escola, uma escola que deveria recrutar seus professores por concurso e onde os alunos deveriam ser avaliados em função de sua competência. Observem que o discurso da competência - o discurso da chamada meritocracia sobre o mérito, o talento, a competência ou o esforço individual- datam do início do estado nacional burguês e algumas de suas características são interessantes para a estruturação do modelo republicano de escola.
Primeiro, o trabalho é todo centrado na figura do professor, o professor é recrutado de acordo com o seu saber, com a sua competência, com o seu didatismo, com a sua erudição, mas não em função nem do berço, nem do sangue: não é em função do "nascer em berço de ouro" (Aristocracia), e a mesma coisa vai ser feita com o aluno: era o princípio da "meritocracia", hoje completamente deformado! Porque a meritocracia é um princípio republicano, mas ele deixou de sê-lo na atualidade: porque ele não avaliava pessoas nem pelo critério do sangue, nem pela ascendência aristocrática, nem pelo sobrenome: você era avaliado em função do seu esforço, do seu talento, da sua capacidade. Se você conseguisse, o MÉRITO era seu e se você não conseguisse o FRACASSO também era seu. É essa atribuição individual tanto do sucesso, quanto do fracasso que faz parte da ideologia meritocrática um corpus cultural muito típico da sociedade burguesa.
Porque o aristocrata - e a palavra aristos, quer dizer "melhor"-, já nasce com todas suas virtudes definidas e é por isso que ele, sendo o melhor, deve governar. Ele já nasce com as suas qualidades subjetivs formadas, ele não precisa fazer nenhum esforço através do trabalho pessoal para ser aquilo que ele supostamente ainda não é, porque ele já nasce com suas características praticamente subjetivas "prontas", ele só precisa desenvolvê-las. A vida, a experiência e o estar no mundo desenvolverá tais qualidades naturalmente.
Flávio Brayner (UFPE e UFRPE)