Banir ou não banir celulares na escola: eis a questão

O banimento de celulares em escolas não é uma exclusividade do Brasil. Um em cada quatro países já estão considerando a possibilidade...

Publicado em 05/10/2024 às 0:00 | Atualizado em 05/10/2024 às 7:53

Muito antes dos pais perceberem, o debate sobre o uso abusivo de smartphones já era tópico na sala dos professores. Seja porque os alunos se distraíam facilmente, seja porque o celular virou artifício para cyberbullying ou para filmar aulas, seja porque os alunos tiravam foto do quadro no lugar de copiar a matéria ou até mesmo para questionar falas de educadores, fato é que o celular se tornou um incômodo na rotina. E foi justamente por isso que a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro tomou uma decisão difícil: resolveu banir os celulares de dentro das escolas.

O processo realizado pela SME Carioca, inédito no país, envolveu várias etapas. Ele começou no início de 2023, com a proibição apenas em sala de aula. No segundo semestre do mesmo ano, a Secretaria realizou uma chamada pública com a sociedade civil, incluindo famílias e educadores, que precisavam responder a um questionário para informar se estavam de acordo, ou não, com a ampliação da proposta de banimento. Desta vez, a ideia era proibir os celulares em todo o espaço escolar, e não apenas em sala de aula, ou seja, o endurecimento da medida também compreendia pátios, banheiros, refeitórios e outros espaços. Mais de 80% dos respondentes concordaram com a proposta.

Em fevereiro de 2024, o prefeito Eduardo Paes publicou um decreto proibindo os celulares em todas as unidades escolares, e de lá pra cá, o que se viu foi que "a existência de uma regra apoiou muito os professores e os demais profissionais da escola, porque agora existe algo maior do que eles e cuja existência é conhecida por todos. Além disso, os pais apoiaram muito a iniciativa, porque perceberam que o uso indiscriminado do celular fazia com que seus filhos acessassem conteúdos inadequados", disse o Secretário Executivo de Educação da Cidade do Rio, Hugo Nepomuceno.

A Secretaria de Educação também contou com o apoio da Vara da Infância e da Adolescência neste processo, algo inovador e que acabou se mostrando uma parceria muito positiva. A Dra. Vanessa Cavalieri, juíza titular da pasta, chegou até a criar uma conta nas redes sociais em que compartilha os malefícios do uso indiscriminado de aparelhos celulares por crianças e adolescentes, chamada @protocoloeutevejo.

O decreto buscou acolher as demandas de vários lados da sociedade. Um dos pontos, por exemplo, foi tentar equacionar tecnologia e educação, e por isso, ficou estabelecido que as escolas podem, para fins pedagógicos, utilizar as telas sempre que necessário. Agora, o Ministério da Educação resolveu usar a experiência carioca e está considerando editar uma normativa para todo o país.

Essa pauta tem dividido os educadores em, pelo menos, três grupos: no primeiro, estão os que acreditam que as telas são essenciais para colocar crianças e adolescentes na vanguarda do século XXI, e por isso alegam que banir não resolve; o segundo grupo é formado por aqueles que argumentam que escolas são espaços para promover debates, criticidade e reflexões, e entendem, portanto, que o banimento é uma atitude extrema; por fim, no terceiro grupo, estão os educadores que desejam proibir os celulares em salas de aulas. Para eles, os telefones tiram a concentração, impedem o bom fluxo das aulas e geram vários problemas de indisciplina.

Já nas famílias, o debate existe, mas de outra forma: de um lado, estão os que defendem que o celular é um artefato de segurança, porque a troca de mensagens constante com os pais acalma e lhes dá a tranquilidade de saber que os filhos estão bem. De outro, existem as famílias que acreditam que escola é lugar de criança aprender, brincar e prestar atenção - e os celulares podem dificultar o processo.

O banimento de celulares em escolas não é uma exclusividade do Brasil. Um em cada quatro países já estão considerando a possibilidade de implementar essas medidas, e na França, a proibição do uso de celulares em sala de aula existe desde 2010. No entanto, este ano, o parlamento francês endureceu ainda mais as regras. A partir de agora, "qualquer objeto conectado à internet, como tablets, celulares e relógios está proibido para todas as crianças entre 6 e 14 anos, durante o horário escolar".

Para além de todos esses pontos, o psicólogo e autor do best seller "A Geração Ansiosa", Jonathan Haidt, afirma que uma infância hiperconectada está diretamente ligada a uma epidemia de transtornos mentais. Para ele, governos devem elevar a maioridade na internet para 16 anos - que atualmente é de 13 -, incentivar escolas a banir celulares e, em troca, ofertar mais tempo de brincadeiras. Haidt também sugere uma alternativa para contemplar pais que insistem em se comunicar com os filhos: a troca de smartphones por "celulares chatos", ou seja, aparelhos mais antigos e que possuem funções limitadas, como fazer ligações e enviar/receber mensagens SMS.

Em Pernambuco, as recentes prisões de artistas e influenciadores envolvidos com jogos de aposta online ocuparam a mídia. No entanto, o que poucos sabem é que diversas dessas apostas são feitas por menores de idade durante o período escolar. Para se ter uma dimensão do problema, uma pesquisa recente, encomendada por instituições privadas de ensino, mostrou que 35% dos brasileiros que planejavam ingressar em um curso superior este ano tiveram que adiar os planos por estarem comprometendo suas rendas com jogos de aposta online.

Se no contexto brasileiro e, mais precisamente, no contexto pernambucano, o acesso a jogos tipo "bet" não for um sinal de alerta suficiente, talvez valha recorrer às evidências que se amontoam e mostram que, nas meninas, redes sociais geram insegurança e ansiedade na busca de um corpo perfeito. Inclusive, meninas tendem a ficar mais tempo logadas na internet do que os meninos, de acordo com um estudo realizado no Reino Unido e publicado recentemente.

No caso dos meninos, smartphones não só facilitam o acesso à pornografia, como isso tende a ocorrer muito antes do que os pais imaginam. Recentemente, algumas redes sociais começaram com uma "trend" chamada "soft porn", que nada mais é do que divulgação em massa de conteúdos sensuais. O que se percebeu foi um grande interesse nesse tipo de conteúdo por crianças muito novas.

Enquanto para Hamlet "ser ou não ser" era uma questão, para nós, enquanto sociedade, banir ou não banir celulares das escolas é a decisão da vez. E é uma escolha que envolve o que há de mais precioso numa sociedade: as pessoas que construirão o nosso futuro. Nada pode ser mais importante do que entender que crianças e adolescentes são responsabilidade de todos nós. Queremos, todos, acertar. Mas para isso, precisamos agir com maturidade, utilizando as melhores evidências, acatando as recomendações de especialistas e olhando para o que deu certo. Só assim vamos tomar a melhor decisão.

Carolina Campos, educadora e palestrante,, CEO do Vozes da Educação, ex-secretária municipal de Educação de Gravatá (PE).

 

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