Pacotes fiscais: museu de velhas novidades

No âmbito tributário, o Brasil tem recorrido a fórmulas já conhecidas: desonerações de um lado e, para fechar as contas, antecipação de receita futura

Publicado em 09/10/2024 às 5:00

Ciclos político-eleitorais e benefícios fiscais costumam andar juntos. Apesar das restrições da legislação eleitoral, há uma correlação comprovada entre aumento do gasto público e eleições. Mas, em períodos eleitorais ou não, a avaliação sobre a qualidade desse gasto parece ser tão relevante quanto o custo democrático da coincidência.

No âmbito tributário, o Brasil tem recorrido a fórmulas já conhecidas: desonerações de um lado e, para fechar as contas públicas, antecipação de receitas futuras, comprometendo orçamentos de governos subsequentes, além de regimes de regularização, cuja relativa periodicidade incentiva o contribuinte a apostar no “mercado futuro” de perdões fiscais. Sempre é tempo de esperar pelo próximo perdão.

O mais recente pacote fiscal, da Lei n.º 14.973/2024, segue essa cartilha. Entre as medidas, destaca-se a desoneração da folha de pagamentos, que beneficia mais de 17 setores. Pelo menos até 2026, a contribuição previdenciária deixa de ser calculada num percentual incidente sobre a folha de salários e passa a ser calculada em percentual sobre a receita bruta da empresa.

A justificativa é preservar empregos e, por isso, empresas precisam assinar compromisso de manter ao menos 70% dos postos de trabalho, sob pena de perderem o benefício no exercício seguinte. Como não há penalidade pecuniária e o benefício tem data para acabar, a depender do caso, faz sentido programar a redução de pessoal para depois de um ano ou mais, aproveitando o incremento de caixa com a economia gerada pela mudança na sistemática de tributação.

Para equilibrar a perda de arrecadação, o pacote fiscal segue fórmula também já conhecida de conceder benefícios relativos a impostos, cujo produto da arrecadação é dividido com Estados e Municípios, e aumentar contribuições, cuja receita é exclusividade da União. Assim, a Lei n.º 14.973/2024 prevê aumento da contribuição incidente sobre importações e duas medidas que implicam benefícios relativos ao imposto de renda. A primeira se refere à possibilidade de atualização do custo de aquisição de imóveis, que permite aos proprietários reajustarem o valor dos bens, em troca do pagamento antecipado, em até 90 dias, do imposto que seria devido sobre o ganho de capital na alienação do imóvel.

O benefício pode ser vantajoso para quem possui imóveis que se valorizaram, desde que não pretenda aliená-los no curto prazo. É necessário ficar pelo menos três anos com imóvel para que o pagamento antecipado comece a valer a pena.

Como a tabela das alíquotas redutoras se estende por 15 anos, o governo recebe, antes do fato gerador e com pelo menos um mandato presidencial de antecipação, o imposto cuja receita pertence ao orçamento de quase quatro diferentes gestões. Na prática, toma dinheiro a crédito com o contribuinte, e deixa a conta para depois.

Além disso, foi reeditado o Regime de regularização de bens no exterior, programa para incentivar a declaração voluntária de ativos e rendimentos de origem lícita não declarados, que prevê a extinção da punibilidade da respectiva ação penal, tanto em relação ao contribuinte, quanto em relação a terceiras pessoas interpostas.

Em época de investigação de bets, a Lei n.º 14.973/2024 traz a ampliação do regime ao incluir bens sediados no exterior e no país, além de prever a possibilidade de adesão de contribuintes reincidentes que tenham aderido ao regime de regularização lançado em 2016. Contribuintes que deixaram de declarar todos os ativos no último regime ou que adquiriram novos ativos e rendimentos não declarados, podem, portanto, se beneficiar do novo regime e aderir ao programa.

As novidades da lei são figurinha repetida de pacotes fiscais anteriores, poderiam estar listadas no museu das grandes novidades do país que se mantem preso a velhas praticas de gestão pública orçamentária. O contribuinte atento, no entanto, faz bem em fazer as contas. Economia fiscal é com frequência a diferença entre manter-se ou não no mercado e, no caso do regime de regularização de bens, a diferença entre ter de enfrentar ou não investigações com possível repercussão criminal.

Fernanda Braga é Procurada do Estado de Pernambuco e advogada 

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