O fim de um patrimônio do Recife

Dom Pedro foi por anos referência na nossa gastronomia. A Rua do Imperador foi durante muitos anos uma das mais efervescentes do centro do Recife

Publicado em 25/10/2024 às 0:00 | Atualizado em 25/10/2024 às 10:47

Começa no Palácio do Campo das Princesas, na Praça da República, e vai até o Fórum Tomaz de Aquino, no prédio onde funcionou o "Grande Hotel", por décadas o principal da cidade, na Avenida Martins de Barros.

Tem a sede do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Tribunal de Justiça de Pernambuco. a Secretaria da Fazenda, o Convento de São Francisco, a Capela Dourada, o Gabinete Português de Leitura, o Arquivo Público Estadual, o prédio do "Diario da Manhã. Já teve o prédio do Jornal do Commercio (atualmente é a sede da OAB de Pernambuco), a agência do Banco Francês e Brasileiro, a lanchonete Cristal, o Cartório de João Roma. a antiga sede da Ordem dos Advogados de Pernambuco.

Há alguns bons anos, a via se tornou conhecida pelo grande número de moradores de rua, prédios degradados e abandonados, estabelecimentos fechados, um clima de insegurança a cada passo.

Foi exatamente este clima ruim que determinou o fim de uma legenda da gastronomia pernambucana, durante muitos anos, ponto de encontro de políticos, empresários e jornalistas. O restaurante "Dom Pedro" não resistiu e fechou, depois de 55 anos, deixando tristes os que tiveram o privilégio de serem seus clientes.

Sua história está intimamente ligada a uma figura especial, Júlio Crucho. Ele nasceu em Penamacor, um pequeno vilarejo perto da cidade de Castelo Branco, no Norte de Portugal. Em busca de oportunidade de emprego, mudou-se para o Recife aos 21 anos, em 1957. Começou fazendo "bicos" na pastelaria do restaurante "Leite", o mais antigo do Brasil e o mais famoso da nossa cidade. Lá, foi aprendendo segredos da atividade.

Dois anos depois, em 1959, iniciou sua carreira solo, abrindo a "Cacique Lanches", uma das primeiras lanchonetes do Recife. Com o sucesso, partiu para empreendimentos maiores, os restaurantes "Lero-Lero" e "Monte Carlo", famosos pela sua integração à vida hoteleira da Metrópole.

Ao lado dos sócios portugueses João Maria da Silva Matos e Luís Gonçalves, se encantou pela Rua do Imperador Pedro II. Essencialmente comercial, não tinha restaurantes. Encontraram um armazém caindo aos pedaços, resolveram reformá-lo e apostar. O número 376 nunca mais seria o mesmo. Virou um point que durou 55 anos. Suas 12 mesas estavam sempre lotadas, com políticos, intelectuais, empresários e jornalistas. Favorecia-se com a proximidade do , Jornal do Commercio, Diário de Pernambuco e Diário da Manhã.

O cardápio do "Dom Pedro" era tradicionalíssimo. Ao longo das décadas, os ajustes foram mínimos. Nos anos 1990, alguns ingredientes tiveram que ser trocados por conta da inflação. Depois nada mudou". A entrada clássica era o bolinho de bacalhau, com seis unidades. Mas o carro-chefe era a perna de cabrito assada ao forno. O "Filé a Dom Pedro", não ficava atrás. Meu prato preferido - eu fui freguês constante, Com o privilégio do pedido ser acompanhado pessoalmente por Júlio Crucho, de quem me tornei grande amigo, meu prato preferido era a língua ao molho Madeira. E tinha o pudim, perfeito. Tudo regado a um bom vinho, de preferência português. Eu tinha uma vantagem extra: além de comer bem, sempre sai cheio de notícias, ao conversar com os nomes conhecidos que estava na casa. Como Mauro Mota, que tinha mesa cativa.

Recordo até de um almoço especial: depois de acompanhar o velório de Eduardo Campos, fui almoçar no Dom Pedro. Lá encontrei vários governadores que tinham vindo para o enterro, que me foram apresentados por João Lyra Neto, que era o vice-governador e assumiu o cargo com a morte de Eduardo Campoas. Neto. Recordo de Geraldo Alckimin, de São Paulo, Renato Casagrande, do Espírito Santo, Teotônio Vilela, de Alagoas. E também, os prefeitos Fernando Haddad, de São Paulo, e ACM Neto, de Salvador.

Além de comandar o "Dom Pedro", Pedro Crucho foi diretor do Gabinete Português de Leitura e presidente, por muitos anos do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado de Pernambuco. Depois da sua morte, em 2013, os herdeiros tentaram manter a casa, mas não resistiram ao abandono da Rua do Imperador e fecharam um grande patrimônio do Recife. Quem passa pelo local tem tristeza. A placa foi arrancada, a fachada pichada, destruída. E moradores de rua dormindo em frente.

 João Alberto Martins, editor da coluna João Alberto no Social 1

 

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