Bicentenário da Confederação do Equador
A Confederação do Equador encerrou um ciclo revolucionário centrado em Pernambuco, mas que já começara com a Insurreição de 1817, ou mesmo antes
Neste ano, comemora-se o Bicentenário da Confederação do Equador. À parte as publicações da CEPE, um seminário do Instituto Arqueológico e algumas tímidas iniciativas do governo estadual, muito pouco se está fazendo para rememorar aquela que foi uma das mais importante das revoluções liberais do país.
Acontecida em 1824, a partir do Recife, propugnava ideais iluministas, democráticos, republicanos e abolicionistas, combatendo o despotismo de Pedro I, persona non grata aos pernambucanos. A sua repressão se deu da forma mais brutal, resultando na morte de centenas de pessoas e na execução das principais lideranças, tendo à frente o heroico Frei Caneca.
O processo e a condenação do frei carmelita, inclusive, são provas cabais da crueldade que grassou no país durante todo o Primeiro Reinado (1822-1831). Condenado ao patíbulo, não foi possível encontrar um carrasco que se dispusesse a enforcá-lo, tamanha sua força moral entre a população. Sua pena houve de ser comutada à morte por tiros de arcabuzes, valendo-se de um pelotão militar, acontecida em 13 de janeiro de 1825, quarenta e cinco dias após o término do conflito.
A Confederação do Equador encerrou um ciclo revolucionário centrado em Pernambuco, que começara com a Insurreição de 1817, ou mesmo antes, com as movimentações do Areópago de Itambé e do Seminário de Olinda, na virada do século 18.
Naquele período, as "províncias do Norte" perdiam gradativamente sua pujança, à medida que crescia a nova sede monárquica e imperial no Rio de Janeiro. Larga porção dos tributos pernambucanos escoavam para alimentar os excessos da Corte ou, como bem frisou Sebastião Barreto Campelo (1984), para subsidiar as estrepolias noturnas de Dom Pedro.
Está claro que a principal obra daqueles anos revolucionários foi o legado ético e político transmitido às gerações seguintes. Em debates mais acalorados, contudo, subjaz a questão do separatismo implícito. Se os revolucionários houvessem vencido, tanto em 1817 quanto em 1824, existiria hoje um Nordeste Independente, constituído pelos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e, eventualmente, Alagoas.
Contudo, contrariando as evidências factuais, autores como George Cabral, Carlos Bezerra Cavalcanti e André Heráclio do Rêgo alegam que a Confederação do Equador não foi separatista. Teria sido, exclusivamente, constitucionalista e republicana, que buscava uma maior repartição e descentralização do poder monárquico. Com efeito, as causas imediatas do levante relacionam-se à dissolução da Assembleia Constituinte e à imposição de nomes não aceitos pelas elites locais para governar Pernambuco.
Contra esta linha interpretativa, observa-se que nos manuscritos e nas ações pragmáticas dos próceres revoltosos a noção de "pátria" nunca se manteve perene ou unânime, com o próprio Frei Caneca hesitando entre os termos "Brasil" e "Pernambuco" para tratar desse conceito.
E nunca é de menos lembrar que a bandeira revolucionária continha explícita a palavra "Independência", ladeada por um ramo de cana e outro de algodão, riquezas regionais da época, atendo-se às quatro províncias confederadas (representadas por quatro estrelas em volta da cruz). Somente na parte de baixo da bandeira, aparecem estrelas representativas das demais províncias, abrindo a possibilidade de tê-las aderentes ao movimento.
Mas, convenha-se, seria pouco provável que um Manuel de Carvalho, um Frei Caneca ou um Padre Mororó estivessem preocupados com uma Santa Catarina, um Mato Grosso ou com a integridade espacial do país.
De qualquer modo, toda essa discussão parece inócua, pois, mesmo que não houvesse o ideal separatista a priori, ele aconteceu a posteriori. Em outras palavras, se não foi causa, foi consequência. Com as províncias confederadas declarando a independência (tal como haviam feito em 1817).
É preciso ter em mente que a unidade territorial brasileira foi conseguida a ferro e fogo, à custa de muito sangue derramado pelas populações regionais. Festejá-la sem um maior espírito crítico é esquecer toda a luta por liberdade.
Os "Duzentos Anos da Confederação do Equador" precisam, sim, ser comemorados e magnificados. Não pela derrota impingida aos pernambucanos, que impediu o Brasil de ser dividido, mas pela demonstração de coerência e bravura de seus mártires, que muito nos ensinam até hoje.
Jacques Ribemboim, escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras