Civis e militares: fortalecendo laços para o futuro

À medida que as forças armadas alcançam maior profissionalismo, as relações entre a sociedade civil e o poder militar tendem a se consolidar

Publicado em 02/11/2024 às 0:00 | Atualizado em 02/11/2024 às 11:39

Esse ponto de vista foi amplamente defendido na obra O Soldado e o Estado, escrita pelo cientista político americano Samuel P. Huntington, logo após a Segunda Guerra Mundial, em um contexto de profunda reflexão sobre os impactos desse conflito.

Desde então, o livro tornou-se referência capital para o estudo das relações civis-militares no Ocidente.

Huntington construiu sua tese argumentando que o soldado, em sua formação, aplicação e relações de poder, precisaria adaptar-se aos novos desafios do pós-guerra.

Ele baseava seu estudo em dois pressupostos:

- Primeiro, que a relação civil-militar deve ser analisada dentro de um sistema democrático composto de elementos interdependentes.

- Segundo, que o grau de sinergia entre os atores desse sistema influencia diretamente a segurança institucional da sociedade.

Para o autor, o conceito de "controle civil objetivo" — a subordinação responsável do poder militar ao poder político — seria essencial em democracias consolidadas.

Nesse modelo, as decisões sobre o emprego da força em nome do Estado cabem aos líderes políticos, enquanto a execução dessas diretrizes é função dos profissionais militares.

A obra de Huntington vai além desse resumo, explorando desde a gênese e o modo de vida do soldado em comparação ao da sociedade civil até os valores arraigados na profissão militar, com análises detalhadas sobre as missões genuinamente militares e o perfil das lideranças de defesa.

Contudo, passados quase setenta anos desde sua publicação, o cenário global mudou significativamente e surgiram outras vozes que oferecem novas perspectivas sobre essa complexa interação, ora reforçando, ora mitigando as tensões entre civis e militares.

Essas novas abordagens frequentemente refletem contextos conjunturais. Algumas enriquecem o debate ao introduzir sustentadas interpretações e ampliam a discussão, enquanto outras oferecem críticas incipientes com base até em apelos ideológicos.

Autores como Eliot A. Cohen, em Comando Supremo, Morris Janowitz, em O Soldado Profissional, e John Keegan, em A Máscara do Comando, trazem contribuições valiosas a esse debate.

Muitas censuras ao trabalho de Huntington destacam que o conceito de profissionalismo militar passou por profundas transformações com as novas configurações dos conflitos modernos.

Para alguns analistas, a ideia de um único "profissionalismo" militar foi superada, substituída por múltiplos "profissionalismos" que refletem as diferentes realidades da atividade militar: o soldado em combate urbano, os operadores de drones a milhares de quilômetros do campo de batalha, oficiais de logística em zonas remotas e generais comandando operações multinacionais de paz.

Outro aspecto de questionamento é a ausência, ainda que o trabalho seja antigo, da discussão sobre a pressão das lideranças modernas para fornecer argumentos políticos claros aos comandantes, inseridos em um cenário de informações dinâmicas e que exigem constante adaptação e senso crítico.

Apesar de todas essas transformações, a teoria de Huntington mantém sua relevância.

No entanto, diante dos novos entendimentos sobre o profissionalismo militar, agora multifacetado, e sobre o controle civil, que muitas vezes assume um perfil rudimentar, é necessário que seu pensamento passe por um processo de adaptação.

Entre os aspectos centrais está a aceitação de que a subordinação do poder militar ao poder civil depende notadamente da solidez dos valores inculcados nas forças armadas aos seus integrantes.

À medida que os profissionais da guerra se tornam mais habilitados a exercer legalmente a violência a nome do Estado devem intuir genuinamente que a democracia não admite que a força militar suplante o papel da política na construção de uma nação estável e democrática. Do contrário, não se trata de uma coletividade em plena democracia.

Por tudo isso, a sociedade em geral deve compreender, defender e divulgar essas novas interações, assegurando que a relação saudável entre o Soldado e o Estado contribua efetivamente para a segurança nacional.

Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

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