Liderança, substantivo feminino

Pesquisa da FGV revela que 72% das nossas empresas com alto desempenho têm uma ou mais conselheiras em seus comitês administrativos.

Publicado em 09/11/2024 às 0:00 | Atualizado em 10/11/2024 às 18:13

Cientista política, Angela Merkel foi chanceler da Alemanha de 2005 a 2021, cargo equivalente ao de primeira-ministra. Tornou-se a mais longeva chefe de estado do país depois de Otto von Bismarck (século 19) e Helmut Kohl (1982 a 1998).

Saiu de cena reconhecida como uma das principais lideranças políticas do globo. Conduziu seu povo durante a crise financeira internacional de 2008, a crise da Zona do Euro e durante a pandemia de Covid-19. Passou à história como gestora competente de crises e negociadora de consensos.

Zilda Arns, médica pediatra especializada em saúde pública, tragicamente falecida em terremoto no Haiti em 2010, criou a Pastoral da Criança. Se hoje milhares de jovens e adultos brasileiros e estrangeiros sobrevivem às condições de extrema pobreza em que nasceram, devem isso em especial à Doutora Zilda Arns.

Fundada no ano de 1983, a Pastoral da Criança atua em pelo menos 20 países, principalmente com famílias de baixa renda, acompanhando as gestantes, os partos e o desenvolvimento das crianças de zero a 6 anos. Tendo como inspiração Paulo Freire (e sua crença de que os pobres são sujeitos sociais e políticos de sua emancipação da pobreza) a Pastoral da Criança criou uma extensa rede de voluntários.

No Brasil, já foram atendidas pela Pastoral da Criança, em quase 30 anos, mais de 1,6 milhão de crianças e mais de 1,2 milhão de famílias pobres, em mais de 4.000 municípios, graças à dedicação de um time de 260 mil voluntários, dos quais 141 mil são líderes que vivem em comunidades pobres. O fato é que, nos lugares onde a Pastoral da Criança chega, no primeiro ano o índice de mortalidade infantil cai em torno de 20%.

Dois referenciais - um internacional e um nacional - de lideranças femininas efetivas, em um mundo que continua assimétrico, no qual as oportunidades e salários continuam desiguais entre os gêneros, mas onde a cada dia que passa mais e mais gente toma consciência do quanto essa isonomia é uma luta necessária e o quanto merece ser abraçada como uma marcha sem volta atrás.

No específico e altamente competitivo ambiente do Direito, há da mesma maneira uma estrada ainda longa a ser percorrida rumo à isonomia entre mulheres e homens, mas uma estrada que não admite atalhos, emoldurada por uma linha do horizonte que reúne todas as condições possíveis para ser de um amanhã promissor, em que pese o fato de que, somente na advocacia, existam mais mulheres que homens na profissão, o que não se reflete nos cargos de liderança e nas chefias dos escritórios e departamentos jurídicos.

O relatório "Mulheres nos negócios e na gerência: por que é mudar é importante para os negócios", divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), aponta que os benefícios da liderança feminina não se restringem a aspectos financeiros. Foi verificado, por exemplo, que organizações empresariais que

adotam a diversidade experimentam crescimento de 10% a 15% da receita, mas também melhora nos índices de atração e retenção de talentos, na reputação e imagem públicas. Mais que isso: lideranças femininas sobressaem às masculinas e são consideradas mais eficazes, segundo o documento "The Ready-Now Leaders", da ONG "Conference Board". O relatório ainda consigna

que as organizações com pelo menos 30% de mulheres em cargos de liderança têm 12 vezes mais chance de estar entre as 20% melhores em desempenho financeiro.

Dados, outrossim, da Fundação Getúlio Vargas por aqui no Brasil revelam que 72% das nossas empresas com alto desempenho na agenda sustentável têm uma ou mais conselheiras em seus comitês administrativos.

Nessa maré que é tão alentadora, mas ao mesmo tempo tão encharcada de desafio, não faria sentido que uma instituição com a história e as missões da OAB se permitisse ficar à margem da estrada, no acostamento, enquanto o comboio da modernidade passa. Negativo. A Ordem, substantivo feminino, assim como Liderança, deve ser farol sempre, ocupando a vanguarda dos grandes temas.

Concluo citando outra grande mulher, a norte-americana Maya Angelou: "Você pode não controlar os eventos que acontecem com você, mas você pode decidir não se rebaixar por eles". Faço esta, também, a minha luta.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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