Uma nova geografia do voto

Na maioria das capitais e grandes cidades, por exemplo, o Partido dos Trabalhadores não tinha incumbentes para defenderem suas administrações.....

Publicado em 12/11/2024 às 0:00 | Atualizado em 12/11/2024 às 9:40

No Brasil, não temos uma eleição de meio termo para o parlamento onde os eleitores apontam diretamente para o poder central quanto a sua satisfação ou a sua insatisfação para o comportamento dos deputados. Na grande maioria das cidades as eleições municipais mantem uma lógica própria vinculada aos problemas cotidianos que afetam a vida dos cidadãos ou a simples reprodução do mandonismo local.

Essa manifestação vai mudando dependendo da composição urbana e do grau de diferenciação social em cada realidade local; somente em algumas Capitais e em poucas grandes cidades, onde os meios de comunicação reverberam as questões políticas e econômicas nacionais o resultado do pleito pode indicar uma referência à aprovação ou desaprovação do governo Federal ou da oposição, pincipalmente, se os principias líderes Nacionais se envolverem abertamente no apoio a determinado candidato.

Por outro lado, dada a baixa consistência ideológica de boa parte de nossos partidos não se tem certeza se daqui a dois anos os dirigentes partidários vão seguir a configuração que aparentemente saiu das urnas nesse momento. A certeza mesmo é que a força de cada agremiação ou de cada líder partidário conquistada no plano local vai influenciar decisivamente a composição do próximo Congresso nacional e das Assembleias legislativas.

Quem acompanha no front a Geografia do voto nas diferentes eleições encontra fácil três lógicas distintas na configuração que podem ou não se completar. A lógica do voto local, a lógica do voto parlamentar e lógica do voto majoritário nacional e estadual (nem sempre a mesma), o que não significa um padrão estático para cada tendencia verificada nas urnas, precisando se apreender as mudanças que estão se processando no interior do padrão tradicional do comportamento eleitoral.

Considerando a história recente, a maior inversão em massa do comportamento do eleitor, após a redemocratização do País, ocorreu nas eleições de 2002, justamente no Nordeste rural, área considerada sob o controle dos Prefeitos e dos Governadores. Logo no início da Campanha Eleitoral os Prefeitos saíram de cena para não contrariarem os novos donos da soberania do voto. O mundo rural fez uma revolução seletiva, pois, em Pernambuco o Governador bem avaliado, foi reeleito sem dificuldade, e Lula, como candidato de oposição foi vitorioso no Estado e na Região e o PT conseguiu ser vitorioso no governo em dois estados nordestinos, Bahia e Piauí.

Começava um novo ciclo com o velho Nordeste considerado o País da Arena e PDS na ditadura, dá lugar a uma nova geografia eleitoral que desenhava na direção de uma esquerda emergente e que agora pode se desfazer, quando foi vitorioso em apenas um Capital e em uma cidade de grande porte, como Camaçari. Não precisa lembrar que o Presidencialismo de coalisão se torna obrigatória no País porque o Presidente eleito fica longe de obter uma maioria confortável no Parlamento que lhe possibilite realizar reformas que considere compatíveis com suas propostas de governo. Uma evidência da disjunção entre o voto local e as eleições presidenciais é a trajetória que o MDB que manteve a maioria das prefeituras no Brasil e uma bancada expressiva de deputados por mais de vinte anos, depois da redemocratização, sem, no entanto, conseguir articular uma candidatura competitiva para presidente da república.

Com as ressalvas mencionadas para que não se ultrapasse o alcance do recado das urnas pode-se tomar uma análise de Antônio Lavareda, três meses antes do pleito, de que essas eleições municipais seria, da continuidade, dando vitória aos candidatos a reeleição a partir de razoável avaliação de suas gestões. Em outras palavras, não seriam vitoriosos os outsiders, campeões de votos, com apologias regressistas nem viria ocorrer uma generalizada polarização nacional, como se viu em Fortaleza e, com menos intensidade, na capital paulista. Na capital do Ceara, a ruptura da aliança PT/PDT embaralhou a disputa, considerando que o Prefeito do PDT tinha uma baixa avaliação de desempenho, acrescentando-se que ele havia sido eleito há quatro anos, com o apoio do PT ao grupo Ferreira Gomes, fato que deve ter confundido parte do segmento mais periférico do eleitorado.

Na maioria das capitais e grandes cidades, o PT não tinha incumbentes para defenderem suas administrações, enquanto os seus espaços mais competitivos, nas cidades do Estado de São Paulo, se evaporaram dando lugar para a competição entre candidatos de direita; como diz Antônio Lavareda, o PT não reciclou seu ideário a partir da partir da eleição de 2016, quando perdeu 60% dos Municípios que administrava. Recentemente, Edinho-(ex-prefeito de Araraquara) constatou o abandono da classe" ao Partido dos trabalhadores.

Falta dizer qual o discurso ou as consignas que podem contribuir para restabelecer os laços com esses segmentos médios da sociedade, considerando os sinais expressivos de déficit de legitimidade nos espaços urbanos mais densos que podem indicar que , além de renovação dos quadros, falta propostas e atitudes que tragam de volta utopias factíveis que oxigenem as veias de irrigação com as classes médias ou o que é talvez mais danoso a ausência de contato com a "nova periferia" .

O discurso meramente institucional bloqueou o espírito crítico da esquerda no Parlamento que passa a votar aumentos exorbitante nos Fundos eleitorais e partidários sem olhar a repercussão dessa posição na sociedade; isso sem falar no aceno, em plena campanha eleitoral, da direção do Partido a um regime claramente ditatorial, que frauda eleição e prende milhares de adversários.

Em Recife a votação de João Campos ultrapassou em muito, a média histórica das votações da Frente popular, após a redemocratização, fenômeno difícil de se repetir, mas, que pode abrir caminho para encontrar um novo modelo de hegemonia política /eleitoral, ajudando a esquerda a procurar pensar numa plataforma democrática ampliada, sem arrodeio, que possa amenizar o seu déficit atual de aprovação.

José Arlindo Soares, ex-professor da pós-graduação em sociologia da UFPB  e presidente do Centro Josué de Castro

 

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