Vá de bike, larga a bets
Na contramão do mundo, o Brasil legalizou as bets antes de autorizar o mercado de apostas presenciais. Não deu outra, cada celular virou um cassino.

Com certeza esta será uma opção muito melhor para a sua saúde financeira e, principalmente, mental. Segundo o Instituto de Psiquiatria da USP, há três etapas em que se enquadra aquele que ostenta o Transtorno do Jogo. A primeira seria o da "vitória" quando, animado com os seus acertos - normalmente guiados pelos algoritmos que "ajudam" nas primeiras tentativas - considera-se um exímio jogador e, ostentando esta qualidade, passa a jogar mais. Logo, chega a etapa da "perda" quando as apostas são maiores, mais freqüentes e, consequentemente, os prejuízos são maiores. Por fim, vem a etapa do "desespero", aí alguns bens já sumiram, a família ficou de lado e o endividamento pressiona por mais tentativas de recuperar o que foi perdido, o que se revela como uma batalha quase impossível.
Na contramão do mundo, o Brasil legalizou as bets antes de autorizar o mercado de apostas presenciais. Não deu outra, cada celular virou um cassino. Não há certeza quanto ao valor, mas se estima que em 2023, entre R$ 68 a R$ 100 bilhões foram gastos em apostas online. Somente no último mês de agosto, 5 milhões de pessoas beneficiárias do Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões às empresas de apostas por pix. Quanto ao jogo presencial, tramita no Senado o projeto de lei nº 2.234/22 que, aprovado, legalizará a modalidade no Brasil. Há pressa na sua tramitação e ao trocar a expressão "cassinos construídos" por "cassinos instalados", o projeto permitirá que hotéis sejam adaptados para "cassinos-resorts", reduzindo as despesas com edificações e o tempo para funcionamento, estimado, agora, em menos de um ano, após a entrada em vigor da lei.
Se puder existir algum consolo, observa-se que a pandemia das bets é global. Na Austrália, o país com mais apostas per capita no mundo, a luz vermelha acendeu. Estuda-se uma forma de restrição na propagando dos jogos online, principalmente para se impedir a "preparação" de uma nova geração que já incorpore o transtorno do jogo. Na China, os jogos online foram proibidos em 2015, restando os sites ilegais hospedados em outros países. Detalhe, alguns ganhadores não estariam conseguindo resgatar os seus prêmios e houve algumas operações policiais com a participação de governos do Laos, Mianmar, da Índia e da própria China. Na Itália, é proibido jogar entre 2 h e 6 h. Segundo alguns estudiosos, o período de 22h as 6h seria o "horário nobre" das plataformas de jogos online. Alemanha, Portugal, Holanda e Bélgica só permitem a publicidade desses jogos no final da noite. No Brasil, não há regras claras e neste vácuo as bets nadaram livres e soltas. Com o criativo marketing de associar o jogo online a ganhos fáceis e vida luxuosa, recrutaram milhões de pessoas, atraídas por um futuro de riqueza e ostentação que, na prática, nunca chega. Insaciáveis, usam "influenciadores" com idades entre 6 e 17 anos para divulgar sites de apostas. O alvo seria o público da mesma faixa etária.
Segundo o Dr. David Sumpter, professor de matemática de Upppsala, na Suécia "a habilidade matemática para ser vencedor, em casa de apostas, é tamanha que um apostador que eventualmente consiga isso, lucraria mais vendendo seus conhecimentos ao mercado ou fundando a sua própria empresa de estatísticas". Traduzindo, a banca sempre ganha.
Renato da Silva Filho, procurador de Justiça do MPPE