Gustavo Henrique de Brito Alves Freire: "Uma lição que ainda ecoa"

Em que ponto o povo se permitiu perder da sua essência até que descambasse para o estado de coisas degradado que ainda hoje atravessa?

Publicado em 16/11/2024 às 19:04
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Qualquer criança possuidora de senso crítico compreende, quando perguntada, que é errado bater no outro, mentir e enganar. Compreende, ainda, que é importante ajudar o próximo e dizer a verdade. Finalmente, consegue perceber que a violência é algo negativo.

Sartre, grande filósofo francês, ensinou que a violência, seja qual for a maneira como ela se externaliza, é sempre uma derrota. A mesma crença foi difundida por Isaac Asimov, bioquímico norte-americano, para quem a violência é o derradeiro refúgio do incompetente. Concordo lá e cá.

Ao fazê-lo, fixando tais e tamanhas premissas, tenho para mim, decorrido quase um ano da tentativa mal-sucedida – por pouco – de golpe de Estado que culminou com os acontecimentos do 8/1/2023 na Praça dos Três Poderes, em Brasília, que não é fora de esquadro ou da curva a reação arrasada da comunidade jurídica à recidiva da violência política nesse mesmo palco, como uma Fênix invertida, no último dia 13/11, a nos impingir a sensação deja vu de prisioneiros do mesmo filme de terror.

Em que ponto, parafraseando discurso no day after lido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, instituição guardiã da Constituição, Ministro Luis Roberto Barroso, o povo brasileiro se permitiu perder da sua essência até que, pelo atalho mistificador do extremismo e do fanatismo, descambasse para o estado de coisas degradado que ainda hoje atravessa?

O que explica que haja quem queira, na vida pública ou fora dela, relativizara ida de um indivíduo portando explosivos à porta da sede do STF, com a premeditada intenção de praticar um atentado contra a Corte e seus integrantes, e que depois tira a própria vida ali mesmo. Não, não foi apenas um suicídio. Volto ao preâmbulo: uma criança entende que isso tudo é errado.

Nem se alegue que o episódio foi um fato isolado, já que existe todo um retrospecto (por igual, criminoso) em que inserido. A “linha do tempo” dos últimos anos escancara a criação na sociedade de um padrão de radicalização e intolerância, alimentado por discursos de ódio e por desinformação, a levar a uma condição de saúde crítica, quase à morte cerebral, a Constituição de 1988, fruto de tantas lutas, reabrindo feridas e traumas.

Nada obstante os reveses, nem tudo está perdido. O paciente ainda respira. Existe luz no final do túnel. Há chance de reabilitação. A perspectiva de um novo despertar. Refiro-me a um basta ao inusitado movimento político que pretende anistiar os envolvidos nos crimes do 8/1 (nessa linha, PL’s 2.858/2022, na Câmara dos Deputados, e 5.064/2023, no Senado).

Ora, anistiar– juridicamente –é esquecer. Na espécie, o que se propõe é o apagamento (amnésia) dos que abusaram, naquele dia, conscientemente, de liberdades fundamentais com o intuito de aniquilar a ordem jurídica do Estado de Direito (desafiando, ainda, os artigos 359-L e 359-M do Código Penal). Não foi um domingo no parque. Busca-se a fórmula do bom e velho arrumadinho, a destoar, no caso, e ferir fatalmente, o espírito do constituinte originário.

Embora mais de 2 mil pessoas tenham sido presas pelos eventos em questão e depois algumas liberadas, é pedagógico, mas é sobretudo questão de honra para a credibilidade do sistema de justiça chegar aos autores intelectuais e aos mentores da engendração.

Junto a isso, reeducar a população, regenerá-la, apontando-lhe o caminho da volta. Virar a página sem o erro de assentar pedras em cima das flores secas supondo que assim agir irá devolver a beleza do jardim de outrora.

Qualquer iniciativa de derrubada violenta da democracia ou que se destine a impedir o regular funcionamento de qualquer dos Poderes é ato hediondo, posto que análogo ao terrorismo. Precisa outra lei para dizer isso?

Encerro chamando a atenção ao inciso XLIII do artigo 5º da Constituição, súmula da repulsa ao malsinado projeto de anistia. Nada, portanto, de baixar as defesas. Ao contrário: é tempo de reforçá-las. Como na célebre frase atribuída a Thomas Jefferson, mas dita pelo irlandês John Philpot Curran, “o preço da liberdade é a eterna vigilância”. Eis o dever-continente que nos cabe, por nossos filhos e netos, em respeito ao futuro que ainda temos condições de construir.

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