Priscila Lapa: "Reflexões sobre escala 6x1, trabalho aos domingos e qualidade de vida"
O fato é que andamos necessitados de reflexões mais estruturadas sobre nosso modelo de sociedade, além de interesses individualistas
No Brasil, a escala de trabalho 6x1 é amplamente adotada em setores que demandam operação contínua, especialmente aos fins de semana. Entre os segmentos mais comuns estão o comércio varejista, incluindo supermercados, lojas e shoppings, além de meios de hospedagem, restaurantes, bares, farmácias e serviços de telemarketing.
Também é utilizada em indústrias, principalmente em atividades operacionais ligadas diretamente a produção "chão de fábrica", e em serviços como segurança patrimonial e logística.
Esse modelo, caracterizado por seis dias consecutivos de trabalho seguidos de um único dia de folga semanal, atende à carga horária máxima de 44 horas prevista pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas tem sido alvo de debates devido aos seus impactos econômicos, sociais e familiares.
No contexto da flexibilização para o trabalho aos domingos, os efeitos negativos se intensificam. Nesta escala, o trabalhador tem direito a apenas uma folga dominical a cada sete semanas, o que compromete significativamente sua convivência familiar e participação em atividades sociais e religiosas, culturalmente concentradas aos domingos.
Essa estrutura, voltada para a continuidade das operações empresariais, negligencia a necessidade de equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
A escala 6x1 aumenta o risco de exaustão física e mental, ao mesmo tempo em que reduz o acesso ao lazer e ao convívio social, elementos essenciais para a saúde e bem-estar das pessoas.
As mudanças nas legislações recentes, como a ampliação de atividades autorizadas a funcionar aos domingos durante o governo Bolsonaro, agravaram essa problemática. Em 2021, mais de 30 novos setores foram autorizados a trabalharem aos domingos.
Conforme a nova lei os setores autorizados são: 44 segmentos da indústria e 28 segmentos do comércio beneficiando setores produtivos, mas intensificando a sobrecarga dos trabalhadores e comprometendo o direito ao descanso familiar e a qualidade de vida de toda a família.
O debate sobre a necessidade de revisão desse modelo ganhou força com a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da deputada Erika Hilton.
A PEC propõe substituir a escala 6x1 por uma jornada de quatro dias semanais, totalizando 36 horas, sem redução salarial. Essa iniciativa se alinha a tendências globais que visam modernizar as relações de trabalho, promovendo mais flexibilidade e bem-estar para os trabalhadores.
A transição para jornadas reduzidas oferece um contraponto a este cenário. Experiências internacionais apontam que a redução da jornada, sem redução de salários, não apenas melhora a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, mas também estimula a produtividade e a inovação organizacional.
Além disso, estudos do Dieese indicam que a diminuição das horas de trabalho pode gerar milhões de novos postos de emprego, contribuindo para a dinamização da economia e a redução do desemprego estrutural.
Embora alguns empresários aleguem que modelos alternativos possam gerar custos iniciais às empresas, evidências de projetos piloto, como o realizado do Reino Unido, demonstram benefícios econômicos, incluindo aumento da receita empresarial e redução significativa da rotatividade de trabalhadores nas empresas, reforçando que modelos mais justos podem beneficiar empresas e empregados.
O debate acerca da escala de trabalho, para alguns, soou superficial. Para outros, um exagero e fora de propósito.
O fato é que andamos necessitados de reflexões mais estruturadas sobre nosso modelo de sociedade, para além das questões que, muitas vezes, atendem a interesses individualistas dos atores políticos.
Revisitar e modernizar as jornadas de trabalho é fundamental para o desenvolvimento econômico e social do Brasil.
A adoção de modelos flexíveis e inclusivos é um passo essencial para harmonizar os interesses econômicos das empresas com a dignidade e o bem-estar dos trabalhadores.
Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista, advogado trabalhista e professor da FCAP-UPE.