Roberto Pereira: "Afinal, o que é cultura?"
"Cultura é o conjunto de traços distintos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social"
Começo recorrendo a Herskovits: “Cultura é a parte do ambiente feita pelo homem”.
Mas não se pode comentar o tema em epígrafe se não buscarmos, na Unesco, que, em 1982, após Conferência do México sobre Políticas Culturais (Mundialcult), emitiu o seguinte conceito: “Cultura é o conjunto de traços distintos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, que caracterizam uma sociedade ou um grupo social. Ela engloba, além das artes e das letras, os modos de vida, os direitos fundamentais do homem, os sistemas de valor, as tradições e as crenças”.
Aqui entra também, com todo vigor, a ética como um valor cultural, porquanto preocupada com os valores de conduta social, interligando-se à sociedade, ao contrário da moral que é um valor absoluto do indivíduo.
Deve-se ao filósofo Kant a ideia de que a base de qualquer ética tem que ser o respeito, já que, existindo o respeito à vida, tudo o mais vem por consequência na convivência social.
Já Santo Agostinho foi mais incisivo: “Ama e faze o que quiseres”. Ou seja, o lastro de toda ética tem que ser o amor. Parece-me que Kant foi mais feliz em situar o respeito como o maior valor da ética, sobretudo porque, assim sendo, aí fica incluso o amor.
Se recorremos ao sociólogo e antropólogo Darcy Ribeiro, podemos trazer à reflexão a sua conceituação: “Falar de cultura, numa compreensão oriunda da antropologia, não no sentido de homem culto, pessoa culta, país culto, ou país inculto, ou pessoa inculta, mas no sentido daquelas coisas que fazem dos homens seres humanos, nessa totalidade, cultura é o ente conceitual, através do qual os homens aprendem a fazer as coisas, a conviver, a se expressar. A cultura, em essência, é essa herança social que se transmite e que permite a um povo fazer as coisas que ele faz. Então, a cultura é você viver numa casa de aluguel ou ser capaz de fazer sua casa de palha ou seu arranha-céu. É cultura, também, o modo como você cultiva, como você come, como você se expressa, como você ama e como você é amigo”.
De novo o sentido ético de uma convivência saudável é assinalada por padrões e regras traçados pela própria sociedade enquanto grupo de pessoas. Daí o zelo que devemos ter quando estivermos em países estrangeiros vivenciando outros usos e costumes. É o caso de repetir velho ditado: Em Roma, faça como os romanos.
Entrou para as gafes internacionais, a visita de um presidente americano à Índia, quando ofereceu quadros emoldurados em couro, extraído do animal sagrado à religião hindu.
Estranho e exótico, os cumprimentos das tribos do Tibete que, efusivamente, exibem a língua um para o outro. Já os americanos mantêm a chamada “zona de conforto”, distanciando-se, por um braço, do seu interlocutor, além de preferirem almoços, mesmo os comerciais, assinalados pela pontualidade e pela rapidez, uma vez que formam a nação do fast-food.
Já a estética, no seu sentido filosófico, tem a preocupação de estudar o racionalmente belo, seja quanto à possibilidade da sua concepção e conceituação, seja quanto à diversidade de emoções e sentimentos que ela enseja no ser humano, sendo, portando, um valor cultural…
Saliente-se, ainda, como expressão cultural, o que vem a ser monumentos e bens culturais, casarões e casarios, os monumentos, sítios arqueológicos que tenham um valor universal excepcional sob o ângulo da história, da estética, da etnologia ou da antropologia, obras de arte e de arquitetura, os manuscritos, os livros e os bens de interesse artístico, histórico e arqueológicos, os documentos etnológicos, os espécimens – tipo da flora e da fauna, as coleções científicas e as coleções relevantes de livros e arquivos, incluindo-se os arquivos musicais, sem esquecer que aqui não analisamos, à falta de espaço, a nossa colonização, os nossos valores etnológicos, a sociedade aristocrática, as mazelas da escravatura, enfim, o que Joaquim Nabuco chamou de aperto do berço, nossas raízes e nossas origens, que, um dia, haverei de comentar, até mesmo para cultuar o que não passou do que passou, sendo este o passado concebido por Alceu Amoroso Lima.
Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura do Estado e é membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.