UOL - O melhor conteúdo

Repaginar a área central do Recife é uma medida urgente

Afinal, uma cidade que não preserva seu centro histórico corre o risco de perder suas características arquitetônicas e identidade cultural.

Publicado em 23/11/2024 às 0:00 | Atualizado em 23/11/2024 às 7:52
Google News

Recife é, por essência, uma cidade de pioneirismos no desenvolvimento urbano. Desde sua fundação, em 1537, a capital pernambucana foi referência no urbanismo colonial, tornando-se um dos primeiros núcleos portuários do país. No segunda metade do século 20, a então maior metrópole do Norte/Nordeste destacou-se por iniciativas como a construção do bairro de Boa Viagem, que impulsionou o crescimento econômico e turístico. Mais recentemente, com a criação do Porto Digital, a cidade tornou-se um centro tecnológico e de inovação, atraindo investimentos milionário e contribuindo para a difícil revitalização de edificações históricas.

Esse espírito pioneiro no planejamento urbano ressurge agora com uma iniciativa ambiciosa, mas muito necessária: a requalificação dos bairros que formam a área central da capital, reafirmando o compromisso com o desenvolvimento sustentável e a preservação da identidade cultural da mais antiga capital brasileira. Bairro do Recife, São José, Santo Antônio, Cabanga, trechos da Boa Vista e de Santo Amaro apresentam um leque de possibilidades para a reocupação gradativa de uma região "esquecida" durante décadas.

O esvaziamento desses bairros é, sem dúvida, um dos principais problemas da gestão pública. A mudança no padrão de consumo, que, nos últimos anos migrou para o mundo digital, aliada a velhos problemas de segurança e de mobilidade, transformou o outrora vibrante centro comercial em uma espécie de cidade fantasma. Esse desafio, que se enraizou por questões históricas e econômicas, não pode ser resolvido em curto prazo, apesar de esforços contínuos.

É nesse contexto que o pioneirismo do Recife ressurge com a criação do Programa Recentro, lançado em 2021, com a implementação de ações integradas nas áreas fiscal, ambiental, social e econômica. O programa visa devolver vida à região, seja por meio de moradia, atividade comercial, empresarial e turística.

O centro de uma cidade é, tradicionalmente, o coração de sua identidade cultural e econômica. No Recife, os bairros centrais carregam séculos de história em suas edificações, ruas, praças e monumentos. A capital é um museu a céu aberto. No entanto, como ocorre em outras metrópoles brasileiras, a região enfrenta processo de esvaziamento e degradação que precisa ser revertido urgentemente.

Entre as iniciativas do Recentro, destaca-se o Atende Recentro, que vai além de um simples mutirão de atendimento: é um símbolo do compromisso com a preservação do patrimônio histórico e cultural. O sucesso desse programa pode representar não apenas a proteção da memória arquitetônica da cidade, mas a criação de um novo polo de desenvolvimento urbano sustentável e inclusivo.

A abordagem multidisciplinar do programa, que reúne secretarias municipais, cartórios, Sebrae-PE, Iphan, entre outros parceiros, reflete a complexidade do desafio e a seriedade com que os entraves estão sendo enfrentados. A desburocratização de processos e a oferta de incentivos fiscais são ferramentas-chave para atrair novos investimentos e requalificar imóveis históricos entregues à própria sorte.

Um dos aspectos mais promissores da iniciativa é o foco na atração de moradias. A revitalização de um centro histórico passa, necessariamente, pela presença de moradores, que trazem vida às ruas além do horário comercial e estabelecem uma comunidade que reforça a segurança e o desenvolvimento local.

Outro ponto vital é a reativação do comércio central, que terá o desafio de adaptar-se aos novos padrões de consumo, mas é essencial para a recuperação econômica e social da região. Estabelecimentos comerciais ativos atraem consumidores, geram empregos e fortalecem a economia local. E mantêm as edificações preservadas.

O momento é oportuno para que proprietários, investidores e profissionais do setor aproveitem as iniciativas que estão sendo implementadas para revitalizar o Centro de Recife. É um mutirão muito bem-vindo que deve ser abraçado por todos os atores envolvidos, incluindo as empresas do mercado imobiliário, que podem criar centralidades habitacionais por meio do retrofit, intervenção que vem sendo adotada com sucesso em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

Somando-se a esses esforços, merece destaque a renovação do acordo de cooperação entre o Recife e Nantes, na França, uma parceria estabelecida desde 2003. As cidades-irmãs compartilham experiências sobre desenvolvimento urbano sustentável e enfrentamento de desafios comuns, como a preservação de centros históricos e o equilíbrio entre modernização e identidade cultural. Esse intercâmbio fortalece os projetos de requalificação no Recife, trazendo exemplos bem-sucedidos de uma cidade europeia com perfil urbano semelhante.

Afinal, uma cidade que não preserva seu centro histórico corre o risco de perder suas características arquitetônicas e identidade cultural.

Walkyria Bezerra, advogada especializada em direito e mercado imobiliário, sócia do escritório Pessoa de Mello e Bezerra Advogados, integrante do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim) e cofundadora do Imobi Por Elas.

 

Tags

Autor

EDIÇÃO DO JORNAL

capa edição

Confira a Edição completa do Jornal de hoje em apenas um clique

LEIA GRÁTIS

NEWSLETTER

Faça o cadastro gratuito e receba o melhor conteúdo do JC no seu e-mail

ASSINE GRÁTIS

Webstories

Últimas

VER MAIS