O caminho se faz caminhando

"O segredo da existência humana reside não só em viver, mas também em saber para que se vive". Fiódor Dostoiévski, escritor e filósofo

Publicado em 26/11/2024 às 0:00 | Atualizado em 26/11/2024 às 14:07
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Peço desde já licença ao leitor para inaugurar o artigo “declamando” trecho da poesia “Caminante” de Antônio Machado, espanhol nascido em Sevilha em 1875 e falecido em 1939 na França, quando diz o autor: “Caminhante, são teus passos, o caminho e nada mais. Caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar. Ao andar se faz caminho, e ao voltar a vista atrás se vê a senda que nunca se voltar a pisar”.

No ser assim, importante ter como inevitável a certeza de que, ao apontar o indicador para alguém, terá o indivíduo sempre mais dedos apontados para si. Por isso, a prudência, não o açodamento, é sempre a melhor das aliadas.

A ninguém é dado acusar outrem sem provas. Não é certo. O argumento, quando passível de objeção, deve ser contrastado por outro cientificamente válido. Se no comparativo das ideias um desqualifica o outro, este perde a discussão antes mesmo de encerrar seu caso.

Na mesma seara, se o indivíduo se municia das vestes do mau perdedor para se recusar a acatar a vontade da maioria em um colegiado, e se prefere devotar seu tempo à confrontação, é porque nada compreendeu.

Recente relatório da Polícia Federal indiciou vários nomes conhecidos do grande público por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e outros ilícitos, culminando com o 8/1/2023 em Brasília. Segundo as investigações, alguns dos indiciados, habitando o coração do poder na época, planejaram matar o então Presidente recém-eleito e seu Vice. A despeito das revelações, fora do círculo do trabalho policial, não falta ao contingente adepto da ideologia derrotada nas urnas em 2022 a relutância. O script é clichê. Duvidar. Alimentar teorias da conspiração. Insultar. Ameaçar. Atentar. Não apresentar defesa viável.

Distanciando-se, com isso, tais pessoas, da noção de pátria mãe gentil que adorna o nosso Hino, composto em 1822. Cantado até nas escolas, mas pouco praticado, desautorizando, por certo, que por motivação política se invista contra a honra do terceiro. Liberdade de expressão e crítica não é um indiferente penal, assim como não permite atacar o outro a pretexto de dar escape a um pretenso rompante de indignação. De cabeça quente, o sábio volta-se para dentro de si mesmo. Nunca incorre no pecado da injustiça.

Vale a citação de exemplos para ilustrar proposições. Neste artigo, cabe rememorar a convivência pitoresca que se formou entre os então Ministros do STF Moreira
Alves e Sepúlveda Pertence, para construir aqui uma premissa. Ambos, por vezes, divergiam em grande estilo – no sentido mais erudito da expressão – em determinados temas sob julgamento, mas nunca se ofenderam ou à maioria, se fossem voto vencido, em sessão ou fora delas. Eram duas visões de mundo que colidiam, porém, sem mortos, nem feridos. Simples assim. Durante quase quinze anos, coexistiram. Hoje, a história os julga aplaudindo-os.

No plano estritamente finalístico, é a tal coisa. Há de se fazer ouvir sempre mais alto a percepção bem resumida na síntese do doutor Sepúlveda quando instado a definir seu relacionamento com o colega Moreira, ao contrastá-lo com o estilo bastante diverso de discussões que passou a dar as cartas no Supremo desde o rumoroso caso Mensalão: “Nós dançando o minueto e eles achavam que era capoeira”. Na vida, mesma lógica.

Este o aprendizado mais consequencial e mais importante que subsiste a ser absorvido. Esta é a fagulha de civilidade ainda inextinguida. E não, não se cuida de matéria eletiva. Figura na grade curricular obrigatória do moderno Curso de Direito. Encerro com Fiodor Dostoiévski: “O segredo da existência humana reside não só em viver, mas também em saber para que se vive”. A consciência tranquila do dever cumprido sempre leva a esse atracadouro

Gustavo Henrique de Brito Alves Freie, advogado

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