O olhar reptiliano e feiticeiro

O Brasil é generoso em expressões vulgares. Temos o exemplo recente da primeira dama, Janja Lula da Silva, também criticada pelos erros de português.

Publicado em 01/12/2024 às 0:00 | Atualizado em 01/12/2024 às 7:28
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A jornalista Daniela Melo escreveu em sua coluna que Trump dedicou dez minutos de um dos seus discursos para aclamar a genitália do jogador de golfe Arnold Palmer. Todavia, nenhum jornal ou TV registrou que o "pênis" do jogador havia sido enaltecido pelo candidato. A imprensa limpou, higienizou e purificou a linguagem do futuro presidente. Tal artifício é conhecido pelo nome de "sanewashing". Surgiu na mídia norte-americana com o escopo de tornar o vocábulo chulo mais palatável e o discurso mais coerente. A palavra foi usada na década de 80 quando a editora Random House Inc. contratou Trump e o jornalista Tony Schwartz, para a escrita de um livro que se converteu no best-seller "The Art of the Deal" e inspirou o reality show da NBC "The Apprentice ou o "aprendiz de feiticeiro". Os lucros da obra e do programa de TV - em torno 400 milhões de dólares - permitiram a Trump sair da constrição financeira, após a falência dos cassinos e dos investimentos imobiliários. Embora tenha recebido os dividendos, o verdadeiro autor da obra foi Schwartz.

O Brasil é generoso em expressões vulgares. Temos o exemplo recente da primeira dama, Janja Lula da Silva, também criticada pelos erros crassos de português em seus últimos discursos. No dia 16 de novembro ela optou pelo "foda-se" ("Fuck you, Elon Musk") durante um painel no G20 Social, no Rio de Janeiro. A imprensa nacional e internacional não saneou a frase. A atitude da socióloga produziu um sanewashing às avessas: chamou a atenção para os gastos com o Festival de Música realizado no Rio de Janeiro financiado por estatais e alcunhado de Janjapalooza. Alfred Hitchcock, nos anos 30, inspirou outro termo - "MacGuffin" - utilizado no cinema para desviar a atenção do espectador para a trama central. É o caso do longa metragem "Mera Coincidência" (título no Brasil) ou "Manobras na Casa Branca" (título em Portugal). Nessa película, o diretor, após consultar um expert em crise, ordena a fabricação, em estúdio, de uma guerra na Albânia. Esse ardil desviou a atenção do povo para o escândalo sexual que se desenrolava na Casa Branca. Coincidentemente, o filme foi lançado na época do escândalo envolvendo o presidente Clinton e a estagiária Monica Lewinsky.

O Brasil é uma usina de MacGuffin e sanewashing. Basta um olhar reptiliano e feiticeiro nas notícias que surgem do Executivo, Congresso Nacional e STF .Talvez pudesse começar pela opinião da senhora Janja acerca da explosão dos fogos de artifício pelo "bestão". Isso custa um bocado de neurônios, mas é o preço da democracia.

Dayse de Vasconcelos Mayer, doutora em ciências jurídico-políticas.

 

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