Mozart Neves Ramos: "Educação, retrospectiva 2024"

Não tenho dúvidas em afirmar que o ano de 2024, na área da Educação, foi marcado pelo Programa Pé de Meia. Leia o artigo na íntegra

Publicado em 22/12/2024 às 21:34
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Não tenho dúvidas em afirmar que o ano de 2024, na área da Educação, foi marcado pelo Programa Pé de Meia, que funciona como uma espécie de poupança para promover a permanência e a conclusão escolar de estudantes no ensino médio.

Uma estratégia do Ministério da Educação para reduzir os elevados níveis de abandono escolar nos três últimos anos da Educação Básica, além de ampliar o número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

O ministro da Educação, Camilo Santana, rodou o Brasil mobilizando governadores, secretários de estado e gestores das redes estaduais de ensino. Um esforço importante, afinal, em 2019, antes da pandemia, mais de 300 mil jovens abandonaram a sala de aula nesta última etapa da Educação Básica.

Um custo social imenso, sem falar no custo da ineficiência. Espera-se que com o novo ensino médio, regulamentado pela Lei nº 14.945/2024, essa situação seja substancialmente reduzida. O jovem agradece o Pé de Meia, mas o que ele precisa mesmo é de uma escola que o prepare para a vida.

Sem tirar o mérito desta mobilização, eu esperava que o ministério fosse dar uma maior atenção, em termos de mobilização nacional, ao Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), inspirado no exitoso programa de alfabetização de crianças do Ceará.

Posso estar equivocado, mas a sensação que tenho é de que faltam coordenação, articulação e mobilização para que esse pacto chegue, de fato, ao chão de escola com uma alfabetização para valer, tanto no letramento em português, como em matemática, que ficou, diga-se de passagem, periférica nesse pacto.

O ano de 2024 consagrou de vez o desastre da aprendizagem em matemática em nosso país. Os números não mentem, sejam aqueles dos exames nacionais, como os dos exames internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos(PISA) e, mais recentemente, o Trends in International Mathematics and Science Study (TIMMS).

Deste último, o Brasil participou pela primeira vez, e tem como objetivo medir o desempenho de alunos do 4º e do 8º anos do ensino fundamental em matemática e ciências.

Ficou constatado, por exemplo, que nossas crianças não sabem fazer as quatro operações básicas da matemática quando trabalham com números de dois ou três dígitos. Hoje se sabe que o baixo nível de aprendizagem nessa disciplina tem impactos importantes no próprio Produto Interno Bruto (PIB), tomando como referência uma pesquisa da Fundação Itaú Social.

Os resultados comparados do Brasil com os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) no PISA mostraram que a situação é crítica em matemática.

Considerando, por exemplo, apenas os alunos de mais alto nível socioeconômico (NSE), o percentual em países da OCDE de estudantes com aprendizado adequado em matemática é de 64%, enquanto no Brasil é de 26%. Para os alunos de mais baixo NSE, o percentual da OCDE é de 20%, mas no Brasil é de apenas 3%. Sem uma grande aliança nacional não vamos tirar o país desse desastre!

O ano de 2024 foi também da divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) – sua última edição no modelo de cálculo atual, que leva em conta a chamada nota padronizada – que mede a média de proficiência escolar em língua portuguesa e em matemática, e o fluxo escolar – a taxa de aprovação.

O Ideb mostrou que a maioria dos municípios melhorou em relação a 2021, quando ocorreu uma queda substancial em função da pandemia, mas ficou abaixo daquele de 2019, cujos resultados já eram preocupantes.

Por fim, 2024 foi de grande movimento no mundo no uso da inteligência artificial na educação, enquanto no Brasil a maioria das escolas públicas não têm internet de alta velocidade nem professores digitalmente capacitados; o que está em foco no país é a proibição do uso de smartphones nas escolas para o uso não pedagógico.

Minha grande preocupação é que o mundo está passando por transformações exponenciais, o cenário é de disrupção, e isso exige uma escola inovadora e ousada, que olhe para onde farol está apontando, mas estamos ainda muito presos ao retrovisor. Isso pode nos custar muito caro!

Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE

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