Nem globalista, nem nacionalista: um equilibrista!
Defesa desempenha o papel de "colchão", destinado a amortecer possíveis tensões entre polos, e de uma via de comunicação para ambos sentidos
Na estrutura governamental do Estado brasileiro, o Ministério da Defesa foi criado em 10 de junho de 1999, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Entre as grandes nações do hemisfério ocidental, o Brasil foi um dos últimos a reconhecer a necessidade de instituir um órgão intermediário entre o mais alto nível político e os comandantes de Forças Armadas.
Esse ministério desempenha o papel de “colchão”, destinado a amortecer possíveis tensões entre esses polos, e de uma via de comunicação para transmitir orientações políticas e estratégicas em ambos os sentidos.
Em mais de duas décadas de sua criação, o Ministério da Defesa já foi liderado por ministros de diferentes perfis: civis e militares, figuras de grande relevância e outras nem tanto. Contudo, a origem profissional do titular do cargo não é, por si só, o critério que determina sua competência. Outros aspectos, especialmente éticos e morais, devem ser considerados na avaliação de sua aptidão.
Assim, como cidadãos conscientes e comprometidos com a segurança e defesa de nossos interesses enquanto nação, o que devemos ponderar sobre o perfil do responsável por essa pasta estratégica? A reflexão ganha ainda mais relevância no contexto atual, em que a estabilidade institucional do Brasil parece estar intrinsecamente ligada à atuação equilibrada desse personagem-chave.
Em sua obra O Soldado e o Estado, o cientista político estadunidense Samuel Huntington dedica um capítulo inteiro ao papel do Secretário de Defesa – equivalente ao nosso Ministro da Defesa – e à importância de sua atuação. Huntington destaca as responsabilidades que recaem sobre essa figura ao assumir o cargo, bem como a perspectiva de futuro que deve orientar o cumprimento de sua missão.
Antes de mergulhar nas ideias de Huntington, é importante contextualizar algumas críticas dirigidas ao autor. Há pensadores modernos que o classificam como um “globalista”, acusando-o de adotar uma visão excessivamente centrada no hemisfério norte, muitas vezes ignorando nuances e desafios enfrentados por outras nações, em outros rincões do planeta.
O termo refere-se a indivíduos, grupos ou ideologias que defendem os benefícios da globalização, apoiam o fortalecimento de organizações internacionais multilaterais e acreditam na aplicação universal de princípios como os direitos humanos e a justiça social, independentemente de fronteiras nacionais. Por outro lado, críticos do globalismo argumentam que essa postura pode enfraquecer a soberania nacional, subordinando os interesses locais a agendas externas ou corporativas, enquanto aprofunda desigualdades entre países.
Esclarecidos esses pontos, retornemos à análise de Huntington. No capítulo dedicado ao papel do Ministro da Defesa, o autor explora a complexidade da relação entre o poder civil e o militar, sustentando que essa autoridade é central na gestão desse equilíbrio, mediando interesses políticos, estratégicos e operacionais, sem comprometer a eficácia das Forças Armadas.
O professor reforça que o ministro deve atuar como uma ponte confiável entre a liderança política e os profissionais militares, assegurando a prevalência da autoridade civil, mas evitando interferências excessivas na autonomia militar. Dois princípios fundamentais, que devem ornar o perfil dessa autoridade, são destacados por Huntington: equilíbrio e apartidarismo.
O equilíbrio consiste em harmonizar as demandas civis e militares, evitando tanto a submissão total das Forças Armadas a interesses políticos quanto uma independência excessiva que poderia ameaçar a democracia. Já o apartidarismo é crucial para que o Ministro da Defesa atue como um árbitro imparcial, protegendo as instituições militares de divisões políticas e orientando suas decisões exclusivamente pelo interesse nacional.
Embora esses pontos sejam centrais na discussão sobre o papel do Ministro da Defesa, a afirmação mais marcante de Huntington aponta que o escolhido deve aceitar o cargo como o ápice de sua carreira pública. Não deve ambicionar nada além, pois desempenhar uma função que contribui para a proteção dos interesses nacionais em todas as dimensões do poder já é o maior reconhecimento que um cidadão pode receber.
Atemporalmente, qualquer descuido por parte de uma autoridade que estiver no exercício dessa função pode resultar em instabilidade na condução da segurança e defesa do país – um risco que, evidentemente, nenhum de nós deseja enfrentar.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva do Exército Brasileiro