Dayse de Vasconcelos Mayer: 'A linguagem inclusiva não vai mudar um país de disparatados'

O que parece claro é que até o momento o resultado dos experimentos de mudança da conduta humana por meio normativo se revelou, grosso modo, inócuo

Publicado em 11/01/2025 às 11:54 | Atualizado em 11/01/2025 às 11:55
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Quando a criatividade desaparece, o remédio é apelar para o uso de palavras e expressões com sentidos diferentes. É o caso da “linguagem inclusiva” retentora de significados vários. Um deles é a proposta de inserção de homens e mulheres em grupos distintos.

Numa exposição posso saudar o auditório usando a expressão “senhores e senhoras” ou simplesmente “senhores”.

Diz-se que a primeira fórmula reconhece e respeita as diferenças e singularidades de cada sexo e impede que as mulheres permaneçam nos obscuros corredores da invisibilidade.

À vista disso, o gênero gramatical e o gênero sexual estariam imbricados, aspecto rejeitado pelos linguistas. Afinal, enquanto a categoria sexo é real, a categoria gênero possui caráter meramente simbólico.

Mas a linguagem inclusiva pode ir mais além na tentativa de representar todas as pessoas, independentemente de identidade de gênero, orientação sexual, raça, etnia, idade. Nesse caso, o vocábulo “senhores” abrangeria os dois sexos.

É a segunda hipótese. Ela configura a tentativa de fuga de palavras e expressões que podem reforçar estereótipos, ideias sexistas, racistas preconceituosas e discriminatórias.

A capacidade de modificar a forma de pensar

Todavia, em qualquer teoria há sempre espaço para o absurdo. Seria o caso daqueles que esposam a ideia de que apenas a lei detém a capacidade de modificar a forma de pensar dos homens e da sociedade.

E logo indagamos: A lei no Brasil evitou que uma senhora de 77 anos, insatisfeita com o Presidente Lula, chamasse um agente da Polícia Federal de “macaco”? “O uso da expressão afrodescendentes conseguiu erradicar o preconceito racial?

O que parece claro é que até o momento o resultado dos experimentos de mudança da conduta humana por meio normativo se revelou, grosso modo, inócuo.

Na maioria das vezes tende a ocorrer um fenômeno novo – a fobia vocabular - resultante do medo de usar determinados termos durante a comunicação a fim de evitar mal-estar ou até mesmo um processo penal.

Seria o caso da substituição dos vocábulos cego pela expressão deficiente visual, velho por idoso, ajudante por colaborador, pobre por desprovido de recursos.

Convém anotar que as palavras preto e negro estão numa fase de ressignificação. Aguarda-se a última palavra apelando-se, não raro, para a questão genética e menos para a cor. Nesse aspecto, é possível ser negro mesmo com características caucasianas.

Cada frase ou palavra como armadilha

O que parece certo é que cada frase ou palavra que pronunciamos em nosso século foi sendo convertida numa modalidade de obstáculo, trincheira e armadilha – e sempre em processo de colisão com a liberdade de comunicação.

Muito breve, a bolha que nos oferece segurança arrebentará. Por isso estamos a recepcionar estrangeirismos para identificação da nossa condição na sociedade.

É o caso da palavra inglesa ”queer” (estranho), que se refere a pessoas que não se identificam com os padrões de gênero e sexualidade impostos pela sociedade, isto é, pessoas não incluídas na homo normatividade: lésbicas, gays, bissexuais, pansexuais, transexuais.

Outro problema ressaltante diz respeito ao isolamento que se observa nos movimentos identitários. Fica-se com a sensação de que a qualquer momento da história ocorrerá o afunilamento desse grupo e só haverá espaço para o “eu” sem qualquer fraternidade e solidariedade.

Privilégios econômicos permanecerão íntegros

Um último arremate diz respeito à classe social e ao privilégio econômico. Ambos representam a ratoeira do nosso século. O Poder Judiciário, o Poder Legislativo e o Executivo podem fixar cotas para as minorias sociais em concursos e eleições. Todavia, a classe social e os privilégios econômicos permanecerão íntegros.

No que se prende com a lei, tema já focado no parágrafo anterior, não há dúvida de que ela revela grandes limitações sob o ângulo inclusivo. Um exemplo recente é a lei para conter os salários abusivos.

Afirma-se que o problema está centrado no Judiciário, todavia todos os Poderes insistem em gastar com opulência e ostentação, embora as manchetes afirmem que o Supremo Tribunal Federal tenta refrear essa e outras práticas deletérias, como é o caso das emendas.

O problema é que as tentativas demonstram a dificuldade de emprego no Brasil das palavras austeridade e honestidade.

Até mesmo o teto de gastos se converteu em “arcabouço de gastos”. Não tardará muito e a expressão elegante receberá o significado de “sem limitação de gastos”. Afinal, os parlamentares continuam a pressionar o governo para a liberação de emendas. Tudo sem transparência e sem rastreabilidade.

Finalmente, outro ponto sensível é o bordão de que os gastos públicos devem crescer de acordo com a arrecadação ou que as despesas devem ficar abaixo das receitas. Todavia, quanto mais se arrecada mais gastos são realizados.

Trocas de expressões ou de palavras não mudam a sociedade

Afinal, não é por meio da troca de expressões ou da linguagem inclusiva que a sociedade mudará. Só os inocentes e pecadores pensam desse modo.

Trocar o significado das palavras ou substituir uma palavra por outra é um grande disparate. Infelizmente, somos um País de disparatados. E assim permaneceremos “in aeternum et in saeculum saeculi.

Dayse de Vasconcelos Mayer é doutora em ciência jurídico-políticas

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