Opinião: De expressões e de conceitos, as suas fontes históricas

Diante da formação de expressões e conceitos, reflita-se o contexto etimológico ou suas fontes históricas. Será a "determinabilidade das palavras"?

Publicado em 14/01/2025 às 0:00 | Atualizado em 14/01/2025 às 11:13
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Nada é aleatório, tudo tem o seu nascedouro, inclusive as palavras, expressões e conceitos. "Feliz será aquele que sabe a origem das coisas", proclamou Ovidio.

O antigo poeta romano cunhou muitas frases que atravessam os séculos, uma delas quando, caindo em desgraça e banido para a atual Romênia, ali proferiu: "Donec eris sospes multos numerabis amicos" ("Enquanto estiveres bem, terás amigos").

As frases pelo seu poder de síntese expressam em menos palavras o muito a dizer no álbum histórico da sabedoria. O poeta Virgílio exaltou o amor na sua célebre frase "Omnia vincit amor" ("O amor vence tudo") e Plinio, o Velho, reportou antigo ditado popular sobre a verdade: ela está no vinho ("In vino veritas").

O que então pensar sobre as expressões que refletem tendencias culturais e sociais, popularizadas na atualidade, ou de conceitos novos que o mundo dita e ensina?

Conceitos

O termo mais polarizado atualmente é a palavra "woke", no significado (estar desperto). De uso pejorativo (2010) por setores conservadores norte-americanos para ridicularizar atuação de pessoas ou ideias associadas aos avanços sociais, ao imputar um ativismo exagerado ou hipocrisia política.

Para outros, porém, palavra-símbolo de consciência social e engajamento em questões de justiça.

Durante o movimento dos direitos civis nos EUA (1959-1968), o termo associou-se a uma consciência mais profunda das questões raciais e sociais.

No atual contexto, "woke" tornou-se um símbolo de divisão cultural: Conservadores acusam progressistas de impor ideias "woke" nas escolas, na mídia e nas empresas, enxergando nisso uma ameaça às "tradições americanas", enquanto estes aludem o uso distorcido da palavra como tentativa de 

Um termo presente, o "negacionismo", como atitude de recusar a aceitar a verdade estabelecida de algo, mesmo quando as evidencias a comprovem, foi cunhado pelo historiador francês Henry Rousso (1987).

Destinou-o aos que negavam a existência do holocausto no extermínio de judeus pelos nazistas. O negacionismo pandêmico, o ceticismo climático, entre outros, são potencialmente desinformativos e destrutivos.

Significados

O uso de novas palavras tem seus registros, como a "grandstand" (1888), para descrever a exibição de jogadores de beisebol depois de uma eletrizante jogada.

O termo implicava uma visibilidade perante o público que ocupava os assentos mais populares das arquibancadas ("grandstands"). A exibição tem sido um desejo de reconhecimento público, quando o jogador corre para os torcedores depois do gol.

Perder apoio público é ser cancelado e o cancelamento ganha sentido ressignificado nas redes sociais (anos 2010/2020), referindo o ato de reprovar publicamente pessoa ou entidade, por atitudes questionáveis.

Em "Humilhado", o jornalista britânico John Ronson, denuncia como as mídias sociais, em uma sociedade hiperconectada, apressam o julgamento alheio, operando, destarte, o bullying nos meios digitais, Problema social desse fenômeno é a cultura da toxicidade e a falta de um devido processo para o acerto das avaliações críticas.

Diante da formação de expressões e conceitos, reflita-se o contexto etimológico ou suas fontes históricas. Há quem defenda um retorno à "determinabilidade das palavras", ao entendimento de "a linguagem é a melhor forma de construir e manter comunicação entre os cidadãos.

E, também, entre esses e o Estado". De fato. O radical do vocábulo "erudição" em latim é "rúdis", significando algo rude, tosco, áspero, não polido. Mario Sergio Cortella sublinha: "quando erudimos, estamos polindo, tirando asperezas, tornando mais suave e brilhante".

Erudimos, então, com algumas fontes históricas:

  • Anote-se a expressão "estado de direito", utilizada pela primeira vez, pelo jurista A.V. Dicey, da Universidade de Oxford, para conceituar a representação dos valores do Estado, a partir da lei como um dos princípios fundamentais que o regem.
  • Aristóteles cunhou o conceito de equidade (epieikeia): que tem a função de, em face das leis formuladas necessariamente de forma geral, dar validade à justiça no caso concreto.
  • A ideia da privacidade, teve o seu conceito nos estudos de Samuel Warren e Louis Brandeis. Warren, um advogado nova-iorquino, bastante incomodado com a exposição midiática sobre a vida pessoal de sua mulher, a atriz Marian Manola, defendeu o direito de ser deixado só ("right to bel et alone"), o de não ser perturbado em sua esfera íntima e pessoal.
  • O termo eutanásia ("morte boa") foi criado pelo filósofo inglês Francis Bacon, quando o preceituou, em sua obra "Historia vitae et mortis" (1623) como tratamento mais adequado para as doenças incuráveis.
  • O vocábulo "empreendedor" ("entrepeneur"), significando "aquele que assume riscos" surge com os ensaios pioneiros de economia política do franco-irlandês Richard Cantillon (1710).
  • A denominada "sociedade da vigilância" começa pelo romance "1984", de George Orwell (1949), ao indicar o personagem do "Grande Irmão"("Big Brother") como símbolo do Estado onipresente, com suas teletelas (telescreen").

Expressões e conceitos são formas do saber e constituem valores sociais em compreensão do conhecimento.

Jones Figueirêdo Alves, Desembargador Emérito do TJPE. Advogado e parecerista.

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