A violência mora ao lado

Bom lembrar que os diretores dos clubes não são inocentes nessa sujeira: acoitam e ajudam essa corja que se intitula de "torcida organizada"

Publicado em 05/02/2025 às 6:00
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Nessa minha longa vida de repórter, trabalhando nos mais diversos veículos, acompanhei partidas de futebol disputadas por craques e por “pernas de pau”, fui dezenas de vezes para o Estadio do Maracanã quando ainda tinha o mesmo formato desenhado para sediar a Copa do Mundo de 1950, e nossa Seleção, franca favorita, perdeu o título para o Uruguai. O povo chorou essa derrota por oito anos; dor que se estenderia silenciosa até que, enfim, fomos Campeões do Mundo, em 1958, na Suécia.

Estive nesse mesmo Maracanã quando Pelé, cobrando pênalti, marcou o seu “gol número mil”, foi aplaudido por uns e duramente criticado por outros, por ter pedido, chorando, que “olhássemos por nossas criancinhas”.

Nesse mesmo Maracanã vi muitos “clássicos” disputados por Flamengo, Vasco, Fluminense e Flamengo, os “quatro grandes” do futebol carioca, que “enchiam” cadeiras e arquibancadas daquele que era batizado como “o maior estádio de futebol do mundo”. Vi em campo jogadores extraordinários, a começar pelo próprio Pelé, seguindo-se todos os integrantes da Seleção tricampeã do mundo, no México, em 1970.

Também vi muitos jogos entre paulistas e cariocas; mineiros e cariocas, algumas vezes pernambucanos e cariocas, com destaque para Santa Cruz e Nautico, que tinham belas equipes naqueles anos 70 do século passado. E nunca vi, em mais de meio século de atividade, nada que se comparasse ao espetáculo de barbárie e de selvageria como vi, de perto, preso no trânsito, o triste episódio do ultimo sábado, envolvendo criminosos que se dizem torcedores do Sport e do “meu” Santa Cruz. É mentira: são apenas criminosos e nada mais.

Lembro de uma partida jogada em Assunção, entre Brasil e Paraguai,pelas eliminatórias da Copa de 1970. O clima na capital paraguaia era tenso. A Seleção brasileira, sob o comando de João Saldanha,já havia vencido a primeira partida, jogando em Casa – e estava praticamente classificada para o torneiro no México. Pelas ruas de Assunção torcedores mais “alvoroçados” carregavam cartazes pedindo que não fossem esquecidos “Los Ninos Martires”, uma alusão à Guerra do Paraguai, quando as tropas brasileiros, comandadas pelo Conde d’Eu, praticamente dizimaram toda a população masculina do País vizinhos, incluindo-se aí meninos de 13 e 14 anos, recrutados pela irresponsabilidade doentia do ditador Solano Lopez. Mas, era uma guerra.

Pois bem, mesmo essa mágoa centenária dos paraguaios, mesmo enfrentado algumas vezes a seleção do Uruguai, que nos tomou, em casa, um titulo que deveria ser nosso, nunca vi, nem de longe, algo parecido com o que ocorreu neste triste sábado, primeiro de fevereiro, com quadrilhas que se diziam torcedores. Desavisado, saindo do bairro de Casa Forte com destino à Zona Sul do Recife, me vi, de repente, no meio de um turba absolutamente sem controle, agredindo, quebrando, destruindo tudo que aparecia a sua frente, com os órgãos de segurança absolutamente impotentes e subjugados, acompanhando em viaturas a turba criminosa. Bom lembrar que isso ocorria na parte da manhã, a alguns quilômetros do Estadio onde deveria acontecer,à tarde, a partida de futebol que se realizaria entre as duas equipes. Por que? A troco de que?

Em entrevista coletiva, dois dias depois do ocorrido, o Secretário de Defesa Social,Alessandro Carvalho, que se esforça para conter a violência no Estado, revelou que entre alguns detentos nessa guerra de bandidos,estava um dos responsáveis pelo ataque ao ônibus que transportava a equipe do Fortaleza, quando vários atletas do time cearenses sofreram ferimentos e escoriações. Pergunta-se: esse bandido foi preso depois daquela ocorrência? Se foi, por que está em liberdade?

Vai continuar solto até que algum torcedor seja assassinado por falta de aviso? Bom lembrar que os diretores dos clubes não são inocentes nessa sujeira: acoitam e ajudam essa corja que se intitula de “torcida organizada”. Dão ingressos. Cedem espaço nas dependências dos seus estádios para receber essas quadrilhas. Pernambuco, infelizmente, vive uma crise no futebol. O Santa Cruz, que em torneios nacionais já foi a terceira melhor equipe do futebol brasileiro, foi parar numa quarta divisão, se é que isso existe. Foi o “Tricolor do Arruda” que revelou jogadores como Zequinha (bicampeão do mundo e ídolo da equipe do Palmeiras); Aldemar, também ídolo palmeirense; Terto, bicampeão paulista pelo São Paulo; Rivaldo, penta campeão do mundo e escolhido também como o melhor do planeta.

O Náutico luta para sair da “Série C” no plano nacional; O Sport penou dois anos na série B – e só no ano passado conseguiu a chegar à serie A. Isso tem a ver com as quadrilhas que se dizerem torcedores? Não deixa de ter. Nenhum patrocinador quer ver o nome de sua empresa associado e uma horda de bandidos que agridem, quebram, destroem e se escondem no meio da multidão, até o próximo jogo. Não se deseja isso.

Mas talvez os dirigentes do futebol pernambucanos tomem uma posição de repúdio a esses criminosos, quando – e se – algum dos seus familiares, ou eles próprios, se vejam presos, no meio de uma turba distribuindo violência, sem ter como sair nem se proteger. Assim como centenas de recifenses se viram no sábado, primeiro de fevereiro de 2025, de triste memória

Ivanildo Sampaio é jornalista

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