Renato Athias: Kahal Zur Israel - A Primeira Sinagoga Pública das Américas e o Dia Nacional da Imigração Judaica
Embora sua existência como templo judaico tenha sido breve, Kahal Zur Israel foi uma importante referência para a comunidade sefardita na América

No dia 18 de março de 2002, a história da imigração judaica no Brasil ganhou um novo capítulo com a reinauguração da Sinagoga Kahal Zur Israel, localizada na Rua do Bom Jesus, no Recife. Este evento não apenas resgatou a memória da primeira sinagoga pública das Américas, como também serviu como marco simbólico para a celebração do Dia Nacional da Imigração Judaica no país. Os esforços da Federação Israelita de Pernambuco, especialmente nas pessoas de Boris Berenstein e Tânia Kaufman, foram fundamentais para a restauração do prédio, uma vez que ambos não mediram esforços para buscar os recursos necessários para viabilizar o projeto.
Uma Sinagoga com História
A Kahal Zur Israel foi fundada no século XVII, em um período no qual o Recife estava sob domínio holandês (1630-1654). Naquele tempo, judeus sefarditas que haviam sido expulsos da Península Ibérica encontraram na cidade um ambiente mais tolerante, onde puderam praticar sua fé e participar ativamente do comércio, especialmente no setor açucareiro. A Companhia das Índias Ocidentais (WIC), que controlava a colônia, tinha entre seus acionistas e comerciantes muitos judeus, cristãos-novos e marranos que ajudaram a estruturar a economia local.
Embora sua existência como templo judaico tenha sido breve, Kahal Zur Israel foi um importante ponto de referência para a comunidade sefardita na América. Além da sinagoga, o local abrigava escolas religiosas como o Talmud Torá e o Etz Hayim, reforçando o papel do judaísmo na formação social da região.
Expulsão e Retorno
Com a derrota dos holandeses em 1654 e a retomada do Recife pelos portugueses, os judeus foram forçados a deixar o Brasil. Muitos migraram para o Caribe e para a América do Norte, onde ajudaram a fundar a primeira comunidade judaica de Nova Amsterdã, futura Nova York. Durante séculos, a memória da presença judaica na cidade foi apagada, e a rua onde a sinagoga se localizava chegou a ser rebatizada como Rua da Cruz e posteriormente como rua do Bom Jesus.
A redescoberta e restauração do edifício nas últimas décadas trouxeram à tona um rico passado que havia sido esquecido. Historiadores e pesquisadores, como José Antônio Gonsalves de Mello, Luiz Mota Menezes, Marcus Albuquerque, Tânia Kaufman, entre outros pesquisadores destacaram a importância da sinagoga no contexto econômico e social do Recife colonial, bem como sua relação com a diáspora sefardita no Atlântico Norte.
Um Patrimônio Vivo
A reinauguração da sinagoga em 2002 transformou Kahal Zur Israel em um importante centro cultural e turístico. O espaço abriga um museu que narra a trajetória dos judeus no Brasil e sua influência na economia e cultura local. Para a comunidade judaica e para os estudiosos da história colonial, o local simboliza a resistência e a continuidade de uma herança que, apesar dos desafios, permaneceu viva.
O reconhecimento do Dia Nacional da Imigração Judaica no mesmo dia da reinauguração do templo reforça essa conexão entre passado e presente. Mais do que uma data comemorativa, é um convite à reflexão sobre a importância do pluralismo e da preservação da memória coletiva.
Ao visitar a Sinagoga Kahal Zur Israel, percorremos não apenas a história dos judeus no Brasil, mas também um capítulo essencial da formação econômica e cultural do país. O edifício, que já foi símbolo de resistência e de retorno ao judaísmo para os cristãos-novos e marranos, segue como um elo entre o passado e as novas gerações, garantindo que essa história jamais se perca.
Renato Athias, Mestre e Doutor em Etnologia pela Universidade de Paris X (Nanterre), coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE) e professor associado no Programa de Pós-graduação em Antropologia da UFPE