Editorial

Memorial agonizante

Publicado em 05/08/2020 às 6:00
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O Grande Recife é um dos grandes espaços urbanos onde cresce uma tendência estética que expressa um processo de degradação social marcado pela agressão de indivíduos que deixam suas impressões digitais que emporcalham as fachadas dos prédios. Frequentemente se dá essa degradação como de natureza "privada" porque são predadores anônimos que agem muitas vezes sob um tremendo risco físico, ainda falta saber por quê. Parte dessas impressões digitais, ou simplesmente sujeira de quem talvez não tenha tido oportunidade de passar por uma escola, pode ser vista em toda área metropolitana e está ficando cada vez mais visível em um espaço urbano - a ligação entre Recife e Olinda - onde se configura uma combinação perversa: já não se trata de degradação causada por predadores anônimos mas, também, de predadores oficiais, detentores de mandatos populares, que não sujam nem degradam por ação, mas o fazem por omissão.

Esse é um registro dramático feito neste JC pela repórter Amanda Rainheri, com fotos que valem por mil palavras da repórter-fotográfica Brenda Alcântara. O espaço metropolitano esmiuçado pela reportagem recebe o pomposo título de Parque Memorial Arcoverde, em homenagem ao primeiro sacerdote católico brasileiro que foi elevado ao título de cardeal na América Latina. Uma figura tão ilustre que ainda carrega dois sobrenomes presentes em toda a história de Pernambuco - Albuquerque e Cavalcanti -, não merece ser lembrada como patrono de um espaço de 80 hectares que foram pensados como o maior complexo de lazer da Região Metropolitana do Recife mas não passaram disso: pensados.

Foi o que pensou a repórter Amanda Rainheri quando desceu o viaduto do lado do Shopping Tacaruna em direção a Olinda e viu, como de costume, a área verde abandonada no Complexo de Salgadinho. Que antes do governador Eraldo Gueiros, aí pelos idos dos anos 60 do século passado, era apenas um caminho para quem saía do Recife em direção a Olinda ou para quem vinha de lá. Era uma viagem longa, penosa, sobretudo depois da Escola de Aprendizes de Marinheiros, quando a pista estreita frequentemente forçava motoristas de um lado ou de outro fazerem uma "parada estratégica" para a fila contrária passar.

Essa agonia passou em dezembro de 1975, quando o governador Eraldo Gueiros inaugurou o Complexo Viário de Salgadinho ligando Recife e Olinda como sempre foi sonhado, desde os tempos do governador Etelvino Lins, que preconizava a nova Avenida Olinda nos festejos do Tricentenário da Restauração Pernambucana, isto é, em 1954. A avenida se fez, ficou mais fácil circular entre a capital e Olinda, até se deu ao espaço uma destinação cultural com o objetivo de fazer dessa área uma referência para os de casa e os que vêm de fora, mas o que nossa repórter viu diz tudo em uma só frase: "O Parque Memorial Arcoverde agoniza à espera de atenção do poder público". E enquanto esse poder não chega os predadores vão deixando suas impressões digitais de sujeira e degradação.

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