Editorial

Tradição como alimento

Publicado em 20/08/2020 às 6:00
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O jornalista e antropólogo pernambucano Bruno Albertim lançou-se em um projeto literário com o apoio deste JC e da Fundação Joaquim Nabuco e o resultado agora ao alcance de todos é uma obra - Somos o que comemos - que pode ser lida inclusive como atualização jornalística de um tema que fez parte da curiosidade filosófica batizada de Gastrosofia. Esse tema foi contemplado com a atenção de alguns dos nomes mais célebres da cultural universal - de Hipócrates ao filósofo materialista alemão Feuerbach -, e por um dos mais famosos epicuristas e gastrônomos franceses, o político Jean Anthelme Brillat-Savarin, que fez de uma boa mesa lugar respeitável no mundo intelectual.

Albertim não recorre a esses antigos, nem cuida de sua cultura gastronômica - coisas como dizia o pai da medicina 2.500 anos atrás: "Que o vosso alimento seja o vosso primeiro medicamento", ou "O homem é aquilo que come", na expressão do gastrosófico revolucionário alemão Ludwig Feuerbach no século 19. O jornalista e antropólogo pernambucano aplica um molho nordestino na entrada e o resultado é inovador, dando um sabor atual a tradições culinárias coletadas por gigantes da cultura regional, como Gilberto Freyre e Câmara Cascudo.

O jovem estudioso pernambucano tem sua receita própria e se propôs a explicar de que forma a comida participa do senso de identidade de um povo, contribui para noções de pertencimento e dá fundamento ao cotidiano. É difícil imaginar quantos intelectuais brasileiros de nossos dias teriam coragem de enfrentar esse desafio, mas Albertim não apenas foi capaz como torna perfeitamente digerível a sua receita: "Quando propusemos esse projeto, percebemos que a literatura antropológica sobre a alimentação no Nordeste e no Brasil estava um tanto descompassada com o contemporâneo e recebia pouca atenção e investimento. Desde o início, sabíamos da impossibilidade de cobrir a região inteira, então demos um recorte em alguns locais mais simbólicos. Localizei personagens, homens e mulheres que são referências em suas comunidades no tocante a esses fazeres culinários, e busquei compreender como eles reproduzem esses saberes e afetam seu entorno".

Esse trabalho já passou pela leitura cuidadosa de alguns profissionais de imprensa, como o diretor de redação deste jornal, Laurindo Ferreira, que faz uma resenha a ser partilhada com outros leitores da obra que celebra: "A gente propiciou um marco na história do Esso, que foi trazer para o Nordeste um prêmio cujo enfoque sai da denúncia política e social, atraindo para uma discussão antropológica, do ponto de vista da gastronomia nordestina. Ele nasce como um projeto já dividido entre o jornalismo e a ciência. O lançamento desse livro para nós é de uma importância muito grande porque une duas marcas institucionalmente fortes, que se juntam naquilo que têm de melhor: produzir conteúdo jornalístico e saber, ciência."

 

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