O ranking anual de saneamento do Instituto Trata Brasil foi publicado ontem, ratificando um panorama de desigualdade e desperdício que vem de muitos anos no país. Enquanto há municípios em que o desperdício de água é de 36% - que já deve ser considerado alto, mais de um terço da disponibilidade hídrica – outros chegam a mais de 70% do líquido desperdiçado. Uma agressão ao bom senso, e à demanda da população que não pode ter acesso garantido à água de acordo com suas necessidades.
No universo pesquisado dos cem municípios mais populosos, há grandes diferenças no acesso à água potável, no serviço de coleta e no tratamento de esgoto, revelando o desafio de universalização do saneamento no território brasileiro.
As médias para os 20 melhores posicionados no ranking estão distantes daquelas para os 20 piores. No topo, a água é acessível para 99%, enquanto na parte de baixo do ranking, o índice é de 79%. O serviço de coleta de esgoto para os 20 melhores atinge 98% da população, enquanto chega a apenas 29% dos 20 piores. E o tratamento é realidade para 80% dos de cima, e somente 18% dos de baixo. Em relação à coleta e ao tratamento, a diferença entre os 20 melhores e os 20 piores é de 235% e 340%, respectivamente. Os municípios mais bem posicionados investem R$ 166 em média, por habitante, no tratamento de esgoto, e os piores posicionados, R$ 55, quase três vezes menos. Vê-se o enorme caminho a ser percorrido para a conquista de igualdade no saneamento entre os cidadãos. Exemplo de quase inexistência de coleta, a cidade de Marabá, no Pará, apresenta abaixo de 1% de atendimento a esse item.
Esta edição do ranking é a primeira após o Marco Legal do Saneamento, de 2020. As informações dão um panorama da continuidade dos problemas em dimensão nacional, mas são especialmente um alerta para os gestores municipais e estaduais, que precisam buscar recursos para viabilizar projetos em prol da melhor qualidade de vida para as pessoas. Segundo o marco legal, a responsabilidade para o alcance das metas de saneamento é dos prefeitos. A situação encontrada pelo ranking do Trata Brasil é uma afronta à dignidade humana, e um fator de risco para a saúde coletiva. E se o quadro é tão grave no levantamento das cem maiores cidades, imagine-se como está no restante dos mais de cinco mil municípios do país.
Entre as 20 melhores estruturas do ranking em acesso a água potável, apenas duas são do Nordeste: Campina Grande, na Paraíba, aparece na 17ª posição, e Vitória da Conquista, na Bahia, em 18ª, logo em seguida. São três nordestinas que ocupam a parte de baixo, entre as 20 piores: Caucaia, no Ceará, em 81ª posição, Jaboatão dos Guararapes, em 87ª, para a tristeza dos pernambucanos, e a capital alagoana, Maceió, em 93º lugar. Em Olinda, a perda de água na distribuição passa de 50%. Os projetos de saneamento são caros e de longa duração, e precisam, na maioria dos casos, de parcerias com a iniciativa privada, para saírem do campo das promessas.
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