A boa recepção, num primeiro momento, da âncora fiscal revelada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para manter as contas públicas em segurança, sem abdicar de investimentos e programas sociais, como quer o presidente da República, depende agora de costura política e viabilidade prática.
A substituição do teto de gastos, mais compreensível e de lógica simples – com a despesa submetida à arrecadação e à inflação – ainda carece de detalhamento por parte da equipe econômica do governo Lula. Em linhas gerais, no entanto, o anúncio do estabelecimento de regras para impedir o descontrole dos gastos e da dívida pública, gatilho conhecido de instabilidade, causou boa impressão. Ao menos como disposição para manter uma âncora fiscal que impeça a deriva dos governos e, por extensão, de toda a nação.
Dúvidas acerca de eventual aumento da carga tributária devem ser logo dirimidas, para que a aceitação da nova âncora não despenque antes mesmo de ser posta em prática. O ministro Haddad promete um pacote de medidas para elevar a receita em R$ 150 bilhões, sem afetar a carga tributária. Falta dizer como será isso. A sintonia com o Congresso é promissora, com as negociações e a aprovação de um projeto de lei complementar contendo o novo arcabouço fiscal ainda este mês.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que tem sido tratado como inimigo nacional por parte do governo federal, elogiou a boa intenção do Ministério da Fazenda. Mas destacou que não viu a íntegra da proposta cujo objetivo é controlar o equilíbrio entre as receitas e as despesas públicas no país.
Sem o detalhamento do chamado arcabouço fiscal, as especulações sobre o aumento de impostos já começaram.
Há quem projete a necessidade de elevação tributária na faixa de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) por ano, para que os cenários esboçados na proposta se realizem. Para alguns analistas, a distância entre a regra fiscal apresentada e a sustentabilidade fiscal atingida pode ser maior do que o governo espera, ao final do ano.
Embora parte dos analistas de mercado compartilhe da esperança de que a redução dos déficits pode conduzir a um superávit fiscal, após alguns anos – talvez pelo menos uma década – resta desconfiança sobre o realismo em torno do resultado primário apontado por Haddad e sua equipe.
O governo vai precisar pôr logo em ação os mecanismos que diz ter para assegurar mais receita, sem comprometer o balanço das contas. A execução da âncora fiscal pelo próprio governo é o maior desafio, diante até da impaciência demonstrada pelo presidente Lula a respeito do teto de gastos, a âncora em vigor até agora, que também desgostava Jair Bolsonaro e muitos políticos, impedidos de gastar o que desejavam.
O compromisso de segurar o crescimento das despesas sai da equipe econômica, mas deve ser de todo o governo, sobretudo do presidente da República, assumindo o ônus político ao lado da responsabilidade fiscal.
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